Revista de Cinema.
Nunca houve tanto dinheiro disponível para a produção audiovisual no
Brasil. Rodando mais de 100 filmes por ano e com o mercado televisivo
aquecido por conta da lei da obrigatoriedade da TV paga, o país se vê
frente a uma crise: temos dinheiro, mas temos conteúdo para tanta
produção? Existem histórias boas o suficiente e bem construídas que
possam interessar a alguém? Tais questionamentos começaram a ser
levantados pelas emissoras televisivas frente à obrigação de passar 3h30
semanais de conteúdo brasileiro qualificado. Muitas alegavam não haver
projetos bons para figurarem em suas grades. As produtoras audiovisuais,
por sua vez, alegaram, em parte, que falta ao nosso audiovisual bons
roteiros e bons roteiristas para cumprir toda essa demanda. Roteiristas,
por sua vez, declararam que falta estrutura e valorização ao trabalho.
Se há mesmo uma crise de criação, a questão é saber o porquê disso e
aonde se precisa melhorar.
A questão não é a falta de roteiristas
Para o roteirista de cinema e TV, presidente da Associação de Roteiristas (A.R.), ex-Secretário do Audiovisual e contratado como autor da TV Globo, Newton Cannito, existem sim problemas de roteiro no audiovisual brasileiro, mas os roteiristas não podem ser considerados os únicos bodes expiatórios. “Todo mundo entendeu a importância do roteiro. Mas poucos entenderam a do roteirista. Com certeza temos problema de roteiro. Mas não consigo dizer que faltam roteiristas. Pode até ser que falte. Mas conheço dezenas de roteiristas aptos que se formaram para fazer seriados e desistiram de trabalhar com produção independente pelas péssimas condições que ela oferece”, afirma. “Quem tem feito os roteiros das séries não são roteiristas, são os donos da produtora e/ou os diretores de publicidade. Eles contratam jovens como colaboradores de roteiros para atuar como datilógrafos de luxo. Isso não funciona. Não falta roteirista. Falta dar poder ao roteirista”, pontua enfaticamente. Essa é uma das razões que o levaram para a TV Globo. “Para roteirista, só a Globo salva. Hoje é a única empresa que valoriza a carreira de roteirista. Eles chamam inclusive de autor-roteirista, enfatizando o autor. Passei 10 anos apostando em séries e produção independente. Apanhei muito e percebi que o certo mesmo era atuar na Globo. Lá, estou começando de novo, mas já vejo várias novas perspectivas. Estou atuando em colaboração em novelas e tentando emplacar seriados”, explica.
O roteirista Braúlio Mantovani, responsável por “Cidade de Deus” e “Tropa de Elite 2”, entre outros, concorda com Cannito. “Tanta reclamação não pode ser à toa. Mas por que faltam roteiristas? Seria falta de talento? Acho improvável. Veja que essa afirmação diz respeito ao cinema – e agora à produção independente de séries, que segue o mesmo modelo do cinema. Eu nunca ouvi as pessoas do meio dizerem: ‘Faltam autores de novela’. Se o problema fosse falta de talento, faltariam autores/roteiristas para tudo. Se a falta existe apenas na produção de cinema e de séries realizadas pelas mesmas produtoras que fazem os filmes, talvez a explicação esteja no modelo de produção. Roteiristas no Brasil não têm reconhecimento autoral e ganham mal. Ganham muito mal. Por isso, trabalham em muitos projetos, escrevem com muita velocidade, não têm tempo para reescrever – o que é fundamental em qualquer roteiro, seja qual for o talento do autor”, aponta.
O que falta é mercado
Se por um lado as condições ruins de trabalho exigem uma velocidade não condizente com qualidade, ainda dividido em vários projetos, a profissão de roteirista profissional – que só faz roteiros – não tem tradição no Brasil. “A profissão de roteirista é algo novo na nossa cultura. Uma pessoa investir anos estudando para ser roteirista era bem menos cogitado há 10 anos. Temos vários bons roteiristas, mas na maioria das vezes ou são contratados fixos de alguma emissora ou muitas vezes estão ocupados em outros trabalhos. Ser um bom roteirista exige, além do talento, bastante trabalho e estudo. A prática também traz experiência e agora estamos conseguindo ter um mercado com um volume de trabalho que vai permitir dar quilometragem para muitos profissionais”, afirma Andrea Barata Ribeiro, produtora da O2 Filmes, que crê faltarem também profissionais de outras áreas, como produtores executivos. “Concordo que muitos projetos, inclusive alguns que produzi, têm problemas no roteiro. A experiência, bem como a formação acadêmica, pode ajudar bastante. Um pouco de humildade também faz bem. Muitas vezes converso com colegas que se acham sensacionais ou totalmente preparados para qualquer coisa. Não é bem assim. Temos um caminho a percorrer”, complementa.
A roteirista e professora Ana Paul discorda veementemente da falta de roteiros ou roteiristas. “Fui jurada de vários editais e neles pude perceber a enorme criatividade que rola por aí. Tomar as decisões sempre é muito complicado, porque costuma ter pelo menos três vezes o número de projetos excelentes do que a possibilidade de premiação. O que falta é um mercado. Não um calculado pelo número de horas de audiovisual brasileiro na TV a cabo, mas um em que se movimente dinheiro. A média de valor para todas as etapas de uma produção de meia hora para cumprimento da lei é de R$ 30 mil para ficção e R$ 15 mil para documentário. Isso é muito pouco e precariza todo o setor. Nesse contexto, acaba se apelando para os iniciantes, que muitas vezes não têm experiência para tocar responsabilidades maiores. Além do mais, a atividade sofre muito com as incertezas a respeito dos rumos de uma produção, principalmente, em relação a orçamento e cronograma”, explica. Segundo Ana, tais acusações são frutos do tempo atual. “Há, de fato, um clima muito conservador e retrógrado na sociedade contemporânea, que algumas pessoas consideram pouco estimulante para a produção de uma arte que não seja de puro lazer ou entretenimento”, afirma.
A formação do roteirista
Parece haver um consenso quando se diz que há bons roteiros e bons roteiristas no Brasil, em maior ou menor grau, assim como parece ser consenso que boa parte dos produtos audiovisuais brasileiros tem problemas diversos na estruturação dos roteiros. Com o aumento da produção, a necessidade por roteiristas e criadores passou a ser maior. Historicamente, no Brasil, o diretor é o roteirista, e isso continua forte. “Geralmente, isso acontece por três motivos. O mais óbvio é que ele se sente apto a escrever também, o que pode ser verdade ou não. Outro motivo é a desconfiança e o preconceito que existe contra o roteirista no meio audiovisual, como se ele pertencesse a um fã clube de adoradores do Syd Field, ávido por fazer um ponto de virada na página 27. Embora, infelizmente, esses adoradores de manuais realmente existam, a atividade de escrita de roteiro é infinitamente mais sofisticada que o reducionismo que inventaram por aí. Por último, muitos diretores gostam de escrever roteiros também para obterem esse pagamento no orçamento. Alguns se dedicam à produção pelo mesmo motivo, em vez de delegar a um profissional capacitado e exclusivo. Além disso, há diretores que exigem que o roteirista divida o crédito com ele, mesmo não tendo escrito nada, conseguindo assim metade da verba”, explica Ana Paul.
“Os nossos profissionais ainda são autodidatas, o que é plenamente justificável. O cinema perdeu muito espaço com o fechamento da Embrafilme e só voltou a ganhar espaço com a criação da Ancine. Neste período, filmes realizados por diretores que também eram autores e, muitas vezes, produtores eram na sua maioria autorais. Há a necessidade dos roteiristas trabalharem para os produtores, desenvolverem roteiros sob encomenda”, afirma o produtor do Grupo INK Paulo Schmidt.
A demanda nos últimos anos, porém, fomentou o interesse na área. Existem cinco pós-graduações exclusivas de roteiro no país, mais de 80 cursos superiores de audiovisual, nos quais há pelo menos dois ou três semestres de roteiro, além dos muitos cursos livres. Para Newton Cannito isso não basta. “No fundo, a formação nem deve ser de roteiro. Deve ser de escrita criativa e/ou narrativa mesmo. O conhecimento de roteiro é 90% igual ao conhecimento de literatura. Dez por cento é o específico audiovisual. Tem que estudar mais literatura e teatro para se formar em roteiro. Não temos no Brasil formação de escritores. Não tem faculdades para formar escritores. O curso de Letras forma professores. Cinema forma pessoas que sonham em dirigir. Escritores não existem. Formar-se em roteiro é algo que vem da base, da cultura, ler Dostoiévski, Flaubert, ver muitos filmes. É uma longa formação”, aponta, mostrando que o problema é mais embaixo.
Além da formação, outra coisa que parece precisar melhorar é o pleno entendimento da função do roteirista e de onde ele se insere no fluxo. “Ninguém entende o workflow de criação. Perceberam a importância da criação coletiva, mas estão usando isso para desvalorizar criativamente todos os criadores. No Brasil, o dono da produtora tem uma ideia simples do tipo ‘4 jovens em Recife’ e assina a criação da obra. Isso não existe em nenhum lugar. Entendemos a importância do produtor criativo mas invertermos o sinal. Nos EUA, o produtor criativo é o criador que deu tão certo, que virou produtor. No Brasil, o produtor criativo é o cara que a vida toda fez a contabilidade da empresa e agora quer fingir que é roteirista. Isso é tirar o poder da criação”, enfatiza Cannito.
As exigências do mercado
Nesse âmbito da comunicação e do entendimento das distintas funções, entra outra questão: produtor sabe avaliar roteiros? “Temos que analisar roteiros sob o ponto de vista do que o distribuidor de filmes e as TVs por assinatura buscam no mercado. Estamos amarrados estruturalmente. O produtor independente ainda não tem autonomia suficiente para escolher os seus projetos, já que a cota e os incentivos para a produção televisiva são muito pequenos e os veículos não dependem desta produção para o seus negócios. De qualquer forma, os projetos devem conter ingredientes mercadológicos, portanto, adaptações de literaturas conhecidas e biografias de personalidades – em especial da música e das artes – são boas fontes para bons projetos”, explica Paulo Schmidt. Para a diretora e também produtora e roteirista Tata Amaral, os roteiros são quase matemáticos. “Há fórmulas, a narrativa tem uma estrutura. Porém, o que realmente faz diferença é o que chamo de ‘intuição da história’. Uma boa história se intui”, pontua.
A roteirista Ana Paul acha que os produtores não sabem avaliar bons roteiros. “Sequer sabem ler roteiros no Brasil. Já vi muitos produtores falando bem de um roteiro problemático só porque o tema é relevante, assim como já notei também dificuldades de análise em projetos com uma narrativa mais delicada e complexa. Historicamente, a atividade foi relegada no Brasil a uma série de procedimentos pragmáticos e burocráticos, nos quais lidar com planilhas, calendários, orçamentos, leis, captações e prestações tomava todo o tempo. Não existia, até pouco tempo atrás, a figura de um produtor mais criativo. De qualquer maneira, ainda faltam sólidos conhecimentos de dramaturgia”, aponta.
A necessidade de se enquadrar em padrões pré-determinados também prejudica a inserção de roteiristas no mercado, assim como de desenvolver diferentes obras. “No cinema, há a necessidade de se criar histórias para outros gêneros, mas isto depende muito dos distribuidores. Eles estão definindo o gênero que o povo brasileiro deve assistir. A lei que estabelece uma cota para produção nacional na TV por assinatura requer conteúdos que estejam alinhados ao perfil e grades dos canais, como seriados, por exemplo, e neste formato os roteiristas brasileiros não têm experiência e formação”, diz Paulo Schmidt. “Cada vez mais, novas formas e novos talentos estão surgindo, mas nem sempre conseguem seu lugar no mercado ou, pelo menos, um destaque maior para suas atividades. Há, por exemplo, um crescente e interessante movimento de pessoas interessadas em trabalhar com horror no Brasil, mas muitas vezes são solenemente ignoradas na hora de captar verbas públicas, pois tem gente que torce o nariz para cinema de gênero ou, no mínimo, considera que o brasileiro ainda não tem capacidade para isso. Muitos jurados de editais preferem projetos com um viés sociológico mais explícito, o que é um absurdo, pois o gênero não precisa se isentar disso nem deve ser visto como uma arte menor”, complementa Ana Paul.
Falta valorização da profissão
Uma das maiores queixas dos roteiristas é a falta de valorização ao trabalho, não só como reconhecimento da importância da função na cadeia audiovisual, como especialmente no quesito monetário. “Lembro-me de minha mãe. Quando dei um livro a ela, que escrevi, ela disse: está vendo como foi bom estudar datilografia? Escritor é quem sabe datilografar rápido. Por incrível que pareça, os produtores pensam meio como minha mãe. Acham um absurdo pagar R$ 100 mil por 100 páginas de roteiro. O Brasil é o único país do mundo aonde o fotógrafo ganha mais que o roteirista. Na verdade, até o assistente de câmera hoje ganha mais que roteirista”, provoca Cannito.
“Os produtores trabalharam durante muito tempo com a ideia de risco zero que as leis de incentivo trouxeram e não estão acostumados a investir. É muito frequente que produtoras, mesmo de grande porte, chamem o roteirista para projetos, alegando que não há dinheiro algum e que a própria empresa está também se arriscando. Contudo, a função de um empresário é justamente se arriscar, correr atrás de negócios e investir. Um roteirista, por sua vez, não é um empresário, seu talento é apenas escrever, o que não é pouco. Para piorar, há roteiristas que topam o esquema unicamente por uma questão de sonho, já que, embora não haja pagamento, há um gigantesco capital simbólico envolvendo o ato de escrever”, afirma Ana Paul.
Essa é uma das razões de ela ter preferido projetos para cinema. “Se for para fazer algo no risco ou com pagamento reduzido, é preferível que seja algo mais autoral, já que não vejo nenhum sentido fazer um trabalho comercial ganhando pouco. Além disso, o trabalho de roteirista de TV é muito parecido com uma residência médica, com carga horária gigantesca”, complementa.
“Se você pesquisar os números, vai ver que o custo proporcional do roteiro é muito baixo. Roteiros deveriam custar 5% do orçamento de uma produção para tornar atraente a carreira de roteirista. Os que já estão no mercado poderiam trabalhar de maneira mais profissional (menos pressa, dedicação exclusiva a cada projeto). E jovens talentosos seriam atraídos para a carreira”, aponta Bráulio Mantovani. Quanto ao fluxo de trabalho, para ele, a relação diretor-roteirista deve ser equilibrada, horizontal. “Se produtores e diretores querem mais e melhores roteiristas, devem incentivar mudanças no modelo de produção. Devem estabelecer com os escritores a mesma relação que o Fernando Meirelles estabeleceu comigo quando escrevi meu primeiro longa, ‘Cidade de Deus’: colocou-me na posição de autor do roteiro (com a respectiva liberdade criativa) e me pagou um bônus quando o filme ficou pronto. Ganhamos quatro indicações ao Oscar. No caso do ‘Tropa de Elite 2’, Padilha me convidou para ser sócio do filme. Investi meu cachê no projeto. Fizemos mais de 11 milhões de espectadores. Ambos os filmes têm roteiros muito bons e fizeram sucesso. Nos dois casos, o modelo da relação diretor-roteirista-produtores é radicalmente diferente daquele que se pratica hoje no Brasil”, completa.
Visões do mercado para roteirista
Atualmente, no Brasil, o roteirista tem conseguido mais trabalho como script doctor – quando é contratado para “consertar” um roteiro, estruturando-o melhor – ou como roteirista de encomenda – quando o diretor ou o produtor tem a ideia, mas não tem tempo ou não se considera apto a desenvolvê-la. Roteiros também podem surgir de demandas específicas, como adaptação de um livro ou baseado em algum fato real. Em geral, para esses projetos, já há uma verba para a roteirização.
O que parece faltar é dinheiro para o desenvolvimento de histórias. “Não existe ainda verba para desenvolvimento de projetos. Se há prêmios para 10 filmes serem produzidos, deveria ter prêmios para 70 roteiros. A média deveria ser de sete para um. O desenvolvimento é onde o Estado deve investir diretamente, pois as empresas não vão investir nisso”, pontua Newton Cannito, que faz também de três a quatro doctoring por ano. Atualmente, até é possível captar para escrever o roteiro, mas é necessário ter um argumento pronto. Além disso, essa captação é somente via artigo terceiro, o que só favorece um nicho muito específico e não quem mais precisa. “Os editais de roteiro também não são solução e precisam urgentemente ser revistos. De periodicidade incerta, não servem como pagamento inicial para um roteirista trabalhar num projeto. Não raro, o roteirista já está escrevendo mesmo sem o resultado e, para piorar, as produtoras entendem que o prêmio é na verdade de desenvolvimento da pré-produção e mordem metade do valor. Com isso, esses editais só têm interessado a diretores que também escrevem seus próprios roteiros ou então iniciantes em busca de um lugar ao sol”, complementa Ana Paul.
A roteirista aponta o edital de telefilmes da TV Cultura como sendo o melhor que existe, “muito honesto e estimulante”, que premia primeiro dez roteiros para potenciais filmes, com R$ 40 mil de verba para a feitura de roteiro. Posteriormente, apenas entre esses dez, uma nova seleção acontece para escolher quatro para a verba de produção. Foi assim que Ana emplacou “Invasores”, uma ideia totalmente desenvolvida por ela, com direção de Marcelo Toledo, com quem tem desenvolvido novos projetos, e produção da Raiz.
A falta de verba para desenvolvimento não afeta apenas os projetos de ficção, mas também os de documentário. “A sensação que dá é que o documentarista precisa ter feito a pesquisa e escrito o roteiro com dinheiro caído do céu”, desabafa Tata Amaral. “Faria editais para produção de portais de pesquisa sobre determinados conteúdos que podem depois virar séries documentais. Começa na pesquisa do conteúdo e depois filma. Tem que ter também para formatos, realities e outros. O conceito melhor seria não-ficção”, amplia a discussão Newton Cannito, que além da Globo, desenvolve paralelamente os projetos de série “Chumbo Grosso” e o remake de “O Vigilante Rodoviário”.
Produtoras usam prêmios ou esperam investimento na produção para pagar roteirista
Não é só dinheiro que falta ao setor. “Acho que falta sensibilidade para perceber que um bom projeto precisa de tempo para se desenvolver. É preciso respeitar esse tempo, investir nesse tempo. O incentivo de ser no sentido de que as produtoras (são elas que produzem os roteiros) possam dispor deste tempo e receberem dinheiro para isto. Normalmente, você orça um valor de roteiro que implica numa produção de seis meses. Para um roteiro ficar bom, você precisa de um ano ou mais, salvo raras exceções”, complementa Tata Amaral, que finaliza dois filmes, “De Menor”, de Caru Alves de Souza, e “Trago Comigo”, direção dela, derivada da minissérie que fez para a TV Cultura.
Ainda assim, as produtoras têm recebido e desenvolvido muitos projetos, tanto para cinema quanto para televisão. Andrea Barata Ribeiro, na O2, recebe vários. “Muitas vezes, os próprios diretores da casa trazem os projetos. Só produzimos o que a gente consegue olhar de perto. E isso é um número bem limitado de projetos. O que nos move é gostar de um projeto. Aprendemos com o tempo a adequar o tamanho do projeto ao público e orçamento. Mas isso depois de levar bastante pau. Também recebemos projetos de roteiristas e a dinâmica é a mesma. O olho tem que brilhar e tem que haver uma brecha para caber o projeto”, pontua. O desenvolvimento dos roteiros para cinema, geralmente, é bancado com algum prêmio, como o PAQ ou o PAR, por eles mesmos ou por uma parceria com algum distribuidor. Para TV, desenvolvem uma minibíblia e levam ao canal. Só desenvolvem com sinal verde da emissora. Em breve, a O2 lançará as séries “Beleza S/A”, para a GNT, “Trabalho Duro”, para a Discovery, e “Os Experientes”, para a Globo, e os filmes “Reveillon”, de Fabio Mendonça, “Zoom”, de Pedro Morelli, e “Pedro Malasartes, o Único Homem que Enganou a Morte”, de Paulo Morelli.
Paulo Schmidt, atualmente, produz ou coproduz os longas “Objetos Perdidos ou a História das Duas Únicas Pessoas do Planeta Terra”, de Luiz Fernando Carvalho, “Meu Tempo é Agora”, de Johnny Araújo, “Rio-Santos”, de Klaus Mitteldorf, e “Eu te Levo”, de Marcelo Müller. Na Academia de Filmes, parte do Grupo INK, está com diversos projetos, muitos vindos de profissionais de mercado. “Não há recursos suficientes para investir, portanto, estamos abertos para receber e analisar projetos. Em paralelo, desenvolvemos projetos a partir de pesquisa de fatos reais e de literatura. Temos investido recursos da produtora, mas muito modestamente. Muitos projetos são abraçados por roteiristas por um cachê mínimo, os quais serão finalizados quando os projetos forem viabilizados”, explica. Os valores totais variam muito em função do argumento e do profissional, podendo ir de R$ 40 mil a R$ 200 mil. “Ainda não temos padrões para projetos de TV. São muitos os formatos, incluindo telefilmes, seriados, programas etc. Certamente a remuneração também será fixada em função do profissional, do formato e do canal”, pontua.
Tata Amaral tem uma dinâmica diferente, por escrever e também produzir. “Tenho uma relação bastante estimulante e criativa com os roteiristas. Como produtora, a palavra final é minha. Como diretora, também mexo no roteiro, seja nas filmagens, seja na montagem. Raramente pedi para alguém trabalhar sem ter os recursos para pagamento. O que acontece é que estes pagamentos são feitos por etapa, de acordo com a captação ou o momento do trabalho”, explica Tata, que usou metade do PAR de “Antônia” para a primeira etapa de “Hoje”, desenvolvida por Jean-Claude Bernardet e Rubens Rewald, antes da entrada da Petrobras.
Por Gabriel Carneiro
A questão não é a falta de roteiristas
Para o roteirista de cinema e TV, presidente da Associação de Roteiristas (A.R.), ex-Secretário do Audiovisual e contratado como autor da TV Globo, Newton Cannito, existem sim problemas de roteiro no audiovisual brasileiro, mas os roteiristas não podem ser considerados os únicos bodes expiatórios. “Todo mundo entendeu a importância do roteiro. Mas poucos entenderam a do roteirista. Com certeza temos problema de roteiro. Mas não consigo dizer que faltam roteiristas. Pode até ser que falte. Mas conheço dezenas de roteiristas aptos que se formaram para fazer seriados e desistiram de trabalhar com produção independente pelas péssimas condições que ela oferece”, afirma. “Quem tem feito os roteiros das séries não são roteiristas, são os donos da produtora e/ou os diretores de publicidade. Eles contratam jovens como colaboradores de roteiros para atuar como datilógrafos de luxo. Isso não funciona. Não falta roteirista. Falta dar poder ao roteirista”, pontua enfaticamente. Essa é uma das razões que o levaram para a TV Globo. “Para roteirista, só a Globo salva. Hoje é a única empresa que valoriza a carreira de roteirista. Eles chamam inclusive de autor-roteirista, enfatizando o autor. Passei 10 anos apostando em séries e produção independente. Apanhei muito e percebi que o certo mesmo era atuar na Globo. Lá, estou começando de novo, mas já vejo várias novas perspectivas. Estou atuando em colaboração em novelas e tentando emplacar seriados”, explica.
O roteirista Braúlio Mantovani, responsável por “Cidade de Deus” e “Tropa de Elite 2”, entre outros, concorda com Cannito. “Tanta reclamação não pode ser à toa. Mas por que faltam roteiristas? Seria falta de talento? Acho improvável. Veja que essa afirmação diz respeito ao cinema – e agora à produção independente de séries, que segue o mesmo modelo do cinema. Eu nunca ouvi as pessoas do meio dizerem: ‘Faltam autores de novela’. Se o problema fosse falta de talento, faltariam autores/roteiristas para tudo. Se a falta existe apenas na produção de cinema e de séries realizadas pelas mesmas produtoras que fazem os filmes, talvez a explicação esteja no modelo de produção. Roteiristas no Brasil não têm reconhecimento autoral e ganham mal. Ganham muito mal. Por isso, trabalham em muitos projetos, escrevem com muita velocidade, não têm tempo para reescrever – o que é fundamental em qualquer roteiro, seja qual for o talento do autor”, aponta.
O que falta é mercado
Se por um lado as condições ruins de trabalho exigem uma velocidade não condizente com qualidade, ainda dividido em vários projetos, a profissão de roteirista profissional – que só faz roteiros – não tem tradição no Brasil. “A profissão de roteirista é algo novo na nossa cultura. Uma pessoa investir anos estudando para ser roteirista era bem menos cogitado há 10 anos. Temos vários bons roteiristas, mas na maioria das vezes ou são contratados fixos de alguma emissora ou muitas vezes estão ocupados em outros trabalhos. Ser um bom roteirista exige, além do talento, bastante trabalho e estudo. A prática também traz experiência e agora estamos conseguindo ter um mercado com um volume de trabalho que vai permitir dar quilometragem para muitos profissionais”, afirma Andrea Barata Ribeiro, produtora da O2 Filmes, que crê faltarem também profissionais de outras áreas, como produtores executivos. “Concordo que muitos projetos, inclusive alguns que produzi, têm problemas no roteiro. A experiência, bem como a formação acadêmica, pode ajudar bastante. Um pouco de humildade também faz bem. Muitas vezes converso com colegas que se acham sensacionais ou totalmente preparados para qualquer coisa. Não é bem assim. Temos um caminho a percorrer”, complementa.
A roteirista e professora Ana Paul discorda veementemente da falta de roteiros ou roteiristas. “Fui jurada de vários editais e neles pude perceber a enorme criatividade que rola por aí. Tomar as decisões sempre é muito complicado, porque costuma ter pelo menos três vezes o número de projetos excelentes do que a possibilidade de premiação. O que falta é um mercado. Não um calculado pelo número de horas de audiovisual brasileiro na TV a cabo, mas um em que se movimente dinheiro. A média de valor para todas as etapas de uma produção de meia hora para cumprimento da lei é de R$ 30 mil para ficção e R$ 15 mil para documentário. Isso é muito pouco e precariza todo o setor. Nesse contexto, acaba se apelando para os iniciantes, que muitas vezes não têm experiência para tocar responsabilidades maiores. Além do mais, a atividade sofre muito com as incertezas a respeito dos rumos de uma produção, principalmente, em relação a orçamento e cronograma”, explica. Segundo Ana, tais acusações são frutos do tempo atual. “Há, de fato, um clima muito conservador e retrógrado na sociedade contemporânea, que algumas pessoas consideram pouco estimulante para a produção de uma arte que não seja de puro lazer ou entretenimento”, afirma.
A formação do roteirista
Parece haver um consenso quando se diz que há bons roteiros e bons roteiristas no Brasil, em maior ou menor grau, assim como parece ser consenso que boa parte dos produtos audiovisuais brasileiros tem problemas diversos na estruturação dos roteiros. Com o aumento da produção, a necessidade por roteiristas e criadores passou a ser maior. Historicamente, no Brasil, o diretor é o roteirista, e isso continua forte. “Geralmente, isso acontece por três motivos. O mais óbvio é que ele se sente apto a escrever também, o que pode ser verdade ou não. Outro motivo é a desconfiança e o preconceito que existe contra o roteirista no meio audiovisual, como se ele pertencesse a um fã clube de adoradores do Syd Field, ávido por fazer um ponto de virada na página 27. Embora, infelizmente, esses adoradores de manuais realmente existam, a atividade de escrita de roteiro é infinitamente mais sofisticada que o reducionismo que inventaram por aí. Por último, muitos diretores gostam de escrever roteiros também para obterem esse pagamento no orçamento. Alguns se dedicam à produção pelo mesmo motivo, em vez de delegar a um profissional capacitado e exclusivo. Além disso, há diretores que exigem que o roteirista divida o crédito com ele, mesmo não tendo escrito nada, conseguindo assim metade da verba”, explica Ana Paul.
“Os nossos profissionais ainda são autodidatas, o que é plenamente justificável. O cinema perdeu muito espaço com o fechamento da Embrafilme e só voltou a ganhar espaço com a criação da Ancine. Neste período, filmes realizados por diretores que também eram autores e, muitas vezes, produtores eram na sua maioria autorais. Há a necessidade dos roteiristas trabalharem para os produtores, desenvolverem roteiros sob encomenda”, afirma o produtor do Grupo INK Paulo Schmidt.
A demanda nos últimos anos, porém, fomentou o interesse na área. Existem cinco pós-graduações exclusivas de roteiro no país, mais de 80 cursos superiores de audiovisual, nos quais há pelo menos dois ou três semestres de roteiro, além dos muitos cursos livres. Para Newton Cannito isso não basta. “No fundo, a formação nem deve ser de roteiro. Deve ser de escrita criativa e/ou narrativa mesmo. O conhecimento de roteiro é 90% igual ao conhecimento de literatura. Dez por cento é o específico audiovisual. Tem que estudar mais literatura e teatro para se formar em roteiro. Não temos no Brasil formação de escritores. Não tem faculdades para formar escritores. O curso de Letras forma professores. Cinema forma pessoas que sonham em dirigir. Escritores não existem. Formar-se em roteiro é algo que vem da base, da cultura, ler Dostoiévski, Flaubert, ver muitos filmes. É uma longa formação”, aponta, mostrando que o problema é mais embaixo.
Além da formação, outra coisa que parece precisar melhorar é o pleno entendimento da função do roteirista e de onde ele se insere no fluxo. “Ninguém entende o workflow de criação. Perceberam a importância da criação coletiva, mas estão usando isso para desvalorizar criativamente todos os criadores. No Brasil, o dono da produtora tem uma ideia simples do tipo ‘4 jovens em Recife’ e assina a criação da obra. Isso não existe em nenhum lugar. Entendemos a importância do produtor criativo mas invertermos o sinal. Nos EUA, o produtor criativo é o criador que deu tão certo, que virou produtor. No Brasil, o produtor criativo é o cara que a vida toda fez a contabilidade da empresa e agora quer fingir que é roteirista. Isso é tirar o poder da criação”, enfatiza Cannito.
As exigências do mercado
Nesse âmbito da comunicação e do entendimento das distintas funções, entra outra questão: produtor sabe avaliar roteiros? “Temos que analisar roteiros sob o ponto de vista do que o distribuidor de filmes e as TVs por assinatura buscam no mercado. Estamos amarrados estruturalmente. O produtor independente ainda não tem autonomia suficiente para escolher os seus projetos, já que a cota e os incentivos para a produção televisiva são muito pequenos e os veículos não dependem desta produção para o seus negócios. De qualquer forma, os projetos devem conter ingredientes mercadológicos, portanto, adaptações de literaturas conhecidas e biografias de personalidades – em especial da música e das artes – são boas fontes para bons projetos”, explica Paulo Schmidt. Para a diretora e também produtora e roteirista Tata Amaral, os roteiros são quase matemáticos. “Há fórmulas, a narrativa tem uma estrutura. Porém, o que realmente faz diferença é o que chamo de ‘intuição da história’. Uma boa história se intui”, pontua.
A roteirista Ana Paul acha que os produtores não sabem avaliar bons roteiros. “Sequer sabem ler roteiros no Brasil. Já vi muitos produtores falando bem de um roteiro problemático só porque o tema é relevante, assim como já notei também dificuldades de análise em projetos com uma narrativa mais delicada e complexa. Historicamente, a atividade foi relegada no Brasil a uma série de procedimentos pragmáticos e burocráticos, nos quais lidar com planilhas, calendários, orçamentos, leis, captações e prestações tomava todo o tempo. Não existia, até pouco tempo atrás, a figura de um produtor mais criativo. De qualquer maneira, ainda faltam sólidos conhecimentos de dramaturgia”, aponta.
A necessidade de se enquadrar em padrões pré-determinados também prejudica a inserção de roteiristas no mercado, assim como de desenvolver diferentes obras. “No cinema, há a necessidade de se criar histórias para outros gêneros, mas isto depende muito dos distribuidores. Eles estão definindo o gênero que o povo brasileiro deve assistir. A lei que estabelece uma cota para produção nacional na TV por assinatura requer conteúdos que estejam alinhados ao perfil e grades dos canais, como seriados, por exemplo, e neste formato os roteiristas brasileiros não têm experiência e formação”, diz Paulo Schmidt. “Cada vez mais, novas formas e novos talentos estão surgindo, mas nem sempre conseguem seu lugar no mercado ou, pelo menos, um destaque maior para suas atividades. Há, por exemplo, um crescente e interessante movimento de pessoas interessadas em trabalhar com horror no Brasil, mas muitas vezes são solenemente ignoradas na hora de captar verbas públicas, pois tem gente que torce o nariz para cinema de gênero ou, no mínimo, considera que o brasileiro ainda não tem capacidade para isso. Muitos jurados de editais preferem projetos com um viés sociológico mais explícito, o que é um absurdo, pois o gênero não precisa se isentar disso nem deve ser visto como uma arte menor”, complementa Ana Paul.
Falta valorização da profissão
Uma das maiores queixas dos roteiristas é a falta de valorização ao trabalho, não só como reconhecimento da importância da função na cadeia audiovisual, como especialmente no quesito monetário. “Lembro-me de minha mãe. Quando dei um livro a ela, que escrevi, ela disse: está vendo como foi bom estudar datilografia? Escritor é quem sabe datilografar rápido. Por incrível que pareça, os produtores pensam meio como minha mãe. Acham um absurdo pagar R$ 100 mil por 100 páginas de roteiro. O Brasil é o único país do mundo aonde o fotógrafo ganha mais que o roteirista. Na verdade, até o assistente de câmera hoje ganha mais que roteirista”, provoca Cannito.
“Os produtores trabalharam durante muito tempo com a ideia de risco zero que as leis de incentivo trouxeram e não estão acostumados a investir. É muito frequente que produtoras, mesmo de grande porte, chamem o roteirista para projetos, alegando que não há dinheiro algum e que a própria empresa está também se arriscando. Contudo, a função de um empresário é justamente se arriscar, correr atrás de negócios e investir. Um roteirista, por sua vez, não é um empresário, seu talento é apenas escrever, o que não é pouco. Para piorar, há roteiristas que topam o esquema unicamente por uma questão de sonho, já que, embora não haja pagamento, há um gigantesco capital simbólico envolvendo o ato de escrever”, afirma Ana Paul.
Essa é uma das razões de ela ter preferido projetos para cinema. “Se for para fazer algo no risco ou com pagamento reduzido, é preferível que seja algo mais autoral, já que não vejo nenhum sentido fazer um trabalho comercial ganhando pouco. Além disso, o trabalho de roteirista de TV é muito parecido com uma residência médica, com carga horária gigantesca”, complementa.
“Se você pesquisar os números, vai ver que o custo proporcional do roteiro é muito baixo. Roteiros deveriam custar 5% do orçamento de uma produção para tornar atraente a carreira de roteirista. Os que já estão no mercado poderiam trabalhar de maneira mais profissional (menos pressa, dedicação exclusiva a cada projeto). E jovens talentosos seriam atraídos para a carreira”, aponta Bráulio Mantovani. Quanto ao fluxo de trabalho, para ele, a relação diretor-roteirista deve ser equilibrada, horizontal. “Se produtores e diretores querem mais e melhores roteiristas, devem incentivar mudanças no modelo de produção. Devem estabelecer com os escritores a mesma relação que o Fernando Meirelles estabeleceu comigo quando escrevi meu primeiro longa, ‘Cidade de Deus’: colocou-me na posição de autor do roteiro (com a respectiva liberdade criativa) e me pagou um bônus quando o filme ficou pronto. Ganhamos quatro indicações ao Oscar. No caso do ‘Tropa de Elite 2’, Padilha me convidou para ser sócio do filme. Investi meu cachê no projeto. Fizemos mais de 11 milhões de espectadores. Ambos os filmes têm roteiros muito bons e fizeram sucesso. Nos dois casos, o modelo da relação diretor-roteirista-produtores é radicalmente diferente daquele que se pratica hoje no Brasil”, completa.
Visões do mercado para roteirista
Atualmente, no Brasil, o roteirista tem conseguido mais trabalho como script doctor – quando é contratado para “consertar” um roteiro, estruturando-o melhor – ou como roteirista de encomenda – quando o diretor ou o produtor tem a ideia, mas não tem tempo ou não se considera apto a desenvolvê-la. Roteiros também podem surgir de demandas específicas, como adaptação de um livro ou baseado em algum fato real. Em geral, para esses projetos, já há uma verba para a roteirização.
O que parece faltar é dinheiro para o desenvolvimento de histórias. “Não existe ainda verba para desenvolvimento de projetos. Se há prêmios para 10 filmes serem produzidos, deveria ter prêmios para 70 roteiros. A média deveria ser de sete para um. O desenvolvimento é onde o Estado deve investir diretamente, pois as empresas não vão investir nisso”, pontua Newton Cannito, que faz também de três a quatro doctoring por ano. Atualmente, até é possível captar para escrever o roteiro, mas é necessário ter um argumento pronto. Além disso, essa captação é somente via artigo terceiro, o que só favorece um nicho muito específico e não quem mais precisa. “Os editais de roteiro também não são solução e precisam urgentemente ser revistos. De periodicidade incerta, não servem como pagamento inicial para um roteirista trabalhar num projeto. Não raro, o roteirista já está escrevendo mesmo sem o resultado e, para piorar, as produtoras entendem que o prêmio é na verdade de desenvolvimento da pré-produção e mordem metade do valor. Com isso, esses editais só têm interessado a diretores que também escrevem seus próprios roteiros ou então iniciantes em busca de um lugar ao sol”, complementa Ana Paul.
A roteirista aponta o edital de telefilmes da TV Cultura como sendo o melhor que existe, “muito honesto e estimulante”, que premia primeiro dez roteiros para potenciais filmes, com R$ 40 mil de verba para a feitura de roteiro. Posteriormente, apenas entre esses dez, uma nova seleção acontece para escolher quatro para a verba de produção. Foi assim que Ana emplacou “Invasores”, uma ideia totalmente desenvolvida por ela, com direção de Marcelo Toledo, com quem tem desenvolvido novos projetos, e produção da Raiz.
A falta de verba para desenvolvimento não afeta apenas os projetos de ficção, mas também os de documentário. “A sensação que dá é que o documentarista precisa ter feito a pesquisa e escrito o roteiro com dinheiro caído do céu”, desabafa Tata Amaral. “Faria editais para produção de portais de pesquisa sobre determinados conteúdos que podem depois virar séries documentais. Começa na pesquisa do conteúdo e depois filma. Tem que ter também para formatos, realities e outros. O conceito melhor seria não-ficção”, amplia a discussão Newton Cannito, que além da Globo, desenvolve paralelamente os projetos de série “Chumbo Grosso” e o remake de “O Vigilante Rodoviário”.
Produtoras usam prêmios ou esperam investimento na produção para pagar roteirista
Não é só dinheiro que falta ao setor. “Acho que falta sensibilidade para perceber que um bom projeto precisa de tempo para se desenvolver. É preciso respeitar esse tempo, investir nesse tempo. O incentivo de ser no sentido de que as produtoras (são elas que produzem os roteiros) possam dispor deste tempo e receberem dinheiro para isto. Normalmente, você orça um valor de roteiro que implica numa produção de seis meses. Para um roteiro ficar bom, você precisa de um ano ou mais, salvo raras exceções”, complementa Tata Amaral, que finaliza dois filmes, “De Menor”, de Caru Alves de Souza, e “Trago Comigo”, direção dela, derivada da minissérie que fez para a TV Cultura.
Ainda assim, as produtoras têm recebido e desenvolvido muitos projetos, tanto para cinema quanto para televisão. Andrea Barata Ribeiro, na O2, recebe vários. “Muitas vezes, os próprios diretores da casa trazem os projetos. Só produzimos o que a gente consegue olhar de perto. E isso é um número bem limitado de projetos. O que nos move é gostar de um projeto. Aprendemos com o tempo a adequar o tamanho do projeto ao público e orçamento. Mas isso depois de levar bastante pau. Também recebemos projetos de roteiristas e a dinâmica é a mesma. O olho tem que brilhar e tem que haver uma brecha para caber o projeto”, pontua. O desenvolvimento dos roteiros para cinema, geralmente, é bancado com algum prêmio, como o PAQ ou o PAR, por eles mesmos ou por uma parceria com algum distribuidor. Para TV, desenvolvem uma minibíblia e levam ao canal. Só desenvolvem com sinal verde da emissora. Em breve, a O2 lançará as séries “Beleza S/A”, para a GNT, “Trabalho Duro”, para a Discovery, e “Os Experientes”, para a Globo, e os filmes “Reveillon”, de Fabio Mendonça, “Zoom”, de Pedro Morelli, e “Pedro Malasartes, o Único Homem que Enganou a Morte”, de Paulo Morelli.
Paulo Schmidt, atualmente, produz ou coproduz os longas “Objetos Perdidos ou a História das Duas Únicas Pessoas do Planeta Terra”, de Luiz Fernando Carvalho, “Meu Tempo é Agora”, de Johnny Araújo, “Rio-Santos”, de Klaus Mitteldorf, e “Eu te Levo”, de Marcelo Müller. Na Academia de Filmes, parte do Grupo INK, está com diversos projetos, muitos vindos de profissionais de mercado. “Não há recursos suficientes para investir, portanto, estamos abertos para receber e analisar projetos. Em paralelo, desenvolvemos projetos a partir de pesquisa de fatos reais e de literatura. Temos investido recursos da produtora, mas muito modestamente. Muitos projetos são abraçados por roteiristas por um cachê mínimo, os quais serão finalizados quando os projetos forem viabilizados”, explica. Os valores totais variam muito em função do argumento e do profissional, podendo ir de R$ 40 mil a R$ 200 mil. “Ainda não temos padrões para projetos de TV. São muitos os formatos, incluindo telefilmes, seriados, programas etc. Certamente a remuneração também será fixada em função do profissional, do formato e do canal”, pontua.
Tata Amaral tem uma dinâmica diferente, por escrever e também produzir. “Tenho uma relação bastante estimulante e criativa com os roteiristas. Como produtora, a palavra final é minha. Como diretora, também mexo no roteiro, seja nas filmagens, seja na montagem. Raramente pedi para alguém trabalhar sem ter os recursos para pagamento. O que acontece é que estes pagamentos são feitos por etapa, de acordo com a captação ou o momento do trabalho”, explica Tata, que usou metade do PAR de “Antônia” para a primeira etapa de “Hoje”, desenvolvida por Jean-Claude Bernardet e Rubens Rewald, antes da entrada da Petrobras.
Por Gabriel Carneiro
Nunca houve tanto dinheiro disponível para a produção audiovisual no
Brasil. Rodando mais de 100 filmes por ano e com o mercado televisivo
aquecido por conta da lei da obrigatoriedade da TV paga, o país se vê
frente a uma crise: temos dinheiro, mas temos conteúdo para tanta
produção? Existem histórias boas o suficiente e bem construídas que
possam interessar a alguém? Tais questionamentos começaram a ser
levantados pelas emissoras televisivas frente à obrigação de passar 3h30
semanais de conteúdo brasileiro qualificado. Muitas alegavam não haver
projetos bons para figurarem em suas grades. As produtoras audiovisuais,
por sua vez, alegaram, em parte, que falta ao nosso audiovisual bons
roteiros e bons roteiristas para cumprir toda essa demanda. Roteiristas,
por sua vez, declararam que falta estrutura e valorização ao trabalho.
Se há mesmo uma crise de criação, a questão é saber o porquê disso e
aonde se precisa melhorar.
A questão não é a falta de roteiristas
Para o roteirista de cinema e TV, presidente da Associação de Roteiristas (A.R.), ex-Secretário do Audiovisual e contratado como autor da TV Globo, Newton Cannito, existem sim problemas de roteiro no audiovisual brasileiro, mas os roteiristas não podem ser considerados os únicos bodes expiatórios. “Todo mundo entendeu a importância do roteiro. Mas poucos entenderam a do roteirista. Com certeza temos problema de roteiro. Mas não consigo dizer que faltam roteiristas. Pode até ser que falte. Mas conheço dezenas de roteiristas aptos que se formaram para fazer seriados e desistiram de trabalhar com produção independente pelas péssimas condições que ela oferece”, afirma. “Quem tem feito os roteiros das séries não são roteiristas, são os donos da produtora e/ou os diretores de publicidade. Eles contratam jovens como colaboradores de roteiros para atuar como datilógrafos de luxo. Isso não funciona. Não falta roteirista. Falta dar poder ao roteirista”, pontua enfaticamente. Essa é uma das razões que o levaram para a TV Globo. “Para roteirista, só a Globo salva. Hoje é a única empresa que valoriza a carreira de roteirista. Eles chamam inclusive de autor-roteirista, enfatizando o autor. Passei 10 anos apostando em séries e produção independente. Apanhei muito e percebi que o certo mesmo era atuar na Globo. Lá, estou começando de novo, mas já vejo várias novas perspectivas. Estou atuando em colaboração em novelas e tentando emplacar seriados”, explica.
O roteirista Braúlio Mantovani, responsável por “Cidade de Deus” e “Tropa de Elite 2”, entre outros, concorda com Cannito. “Tanta reclamação não pode ser à toa. Mas por que faltam roteiristas? Seria falta de talento? Acho improvável. Veja que essa afirmação diz respeito ao cinema – e agora à produção independente de séries, que segue o mesmo modelo do cinema. Eu nunca ouvi as pessoas do meio dizerem: ‘Faltam autores de novela’. Se o problema fosse falta de talento, faltariam autores/roteiristas para tudo. Se a falta existe apenas na produção de cinema e de séries realizadas pelas mesmas produtoras que fazem os filmes, talvez a explicação esteja no modelo de produção. Roteiristas no Brasil não têm reconhecimento autoral e ganham mal. Ganham muito mal. Por isso, trabalham em muitos projetos, escrevem com muita velocidade, não têm tempo para reescrever – o que é fundamental em qualquer roteiro, seja qual for o talento do autor”, aponta.
O que falta é mercado
Se por um lado as condições ruins de trabalho exigem uma velocidade não condizente com qualidade, ainda dividido em vários projetos, a profissão de roteirista profissional – que só faz roteiros – não tem tradição no Brasil. “A profissão de roteirista é algo novo na nossa cultura. Uma pessoa investir anos estudando para ser roteirista era bem menos cogitado há 10 anos. Temos vários bons roteiristas, mas na maioria das vezes ou são contratados fixos de alguma emissora ou muitas vezes estão ocupados em outros trabalhos. Ser um bom roteirista exige, além do talento, bastante trabalho e estudo. A prática também traz experiência e agora estamos conseguindo ter um mercado com um volume de trabalho que vai permitir dar quilometragem para muitos profissionais”, afirma Andrea Barata Ribeiro, produtora da O2 Filmes, que crê faltarem também profissionais de outras áreas, como produtores executivos. “Concordo que muitos projetos, inclusive alguns que produzi, têm problemas no roteiro. A experiência, bem como a formação acadêmica, pode ajudar bastante. Um pouco de humildade também faz bem. Muitas vezes converso com colegas que se acham sensacionais ou totalmente preparados para qualquer coisa. Não é bem assim. Temos um caminho a percorrer”, complementa.
A roteirista e professora Ana Paul discorda veementemente da falta de roteiros ou roteiristas. “Fui jurada de vários editais e neles pude perceber a enorme criatividade que rola por aí. Tomar as decisões sempre é muito complicado, porque costuma ter pelo menos três vezes o número de projetos excelentes do que a possibilidade de premiação. O que falta é um mercado. Não um calculado pelo número de horas de audiovisual brasileiro na TV a cabo, mas um em que se movimente dinheiro. A média de valor para todas as etapas de uma produção de meia hora para cumprimento da lei é de R$ 30 mil para ficção e R$ 15 mil para documentário. Isso é muito pouco e precariza todo o setor. Nesse contexto, acaba se apelando para os iniciantes, que muitas vezes não têm experiência para tocar responsabilidades maiores. Além do mais, a atividade sofre muito com as incertezas a respeito dos rumos de uma produção, principalmente, em relação a orçamento e cronograma”, explica. Segundo Ana, tais acusações são frutos do tempo atual. “Há, de fato, um clima muito conservador e retrógrado na sociedade contemporânea, que algumas pessoas consideram pouco estimulante para a produção de uma arte que não seja de puro lazer ou entretenimento”, afirma.
A formação do roteirista
Parece haver um consenso quando se diz que há bons roteiros e bons roteiristas no Brasil, em maior ou menor grau, assim como parece ser consenso que boa parte dos produtos audiovisuais brasileiros tem problemas diversos na estruturação dos roteiros. Com o aumento da produção, a necessidade por roteiristas e criadores passou a ser maior. Historicamente, no Brasil, o diretor é o roteirista, e isso continua forte. “Geralmente, isso acontece por três motivos. O mais óbvio é que ele se sente apto a escrever também, o que pode ser verdade ou não. Outro motivo é a desconfiança e o preconceito que existe contra o roteirista no meio audiovisual, como se ele pertencesse a um fã clube de adoradores do Syd Field, ávido por fazer um ponto de virada na página 27. Embora, infelizmente, esses adoradores de manuais realmente existam, a atividade de escrita de roteiro é infinitamente mais sofisticada que o reducionismo que inventaram por aí. Por último, muitos diretores gostam de escrever roteiros também para obterem esse pagamento no orçamento. Alguns se dedicam à produção pelo mesmo motivo, em vez de delegar a um profissional capacitado e exclusivo. Além disso, há diretores que exigem que o roteirista divida o crédito com ele, mesmo não tendo escrito nada, conseguindo assim metade da verba”, explica Ana Paul.
“Os nossos profissionais ainda são autodidatas, o que é plenamente justificável. O cinema perdeu muito espaço com o fechamento da Embrafilme e só voltou a ganhar espaço com a criação da Ancine. Neste período, filmes realizados por diretores que também eram autores e, muitas vezes, produtores eram na sua maioria autorais. Há a necessidade dos roteiristas trabalharem para os produtores, desenvolverem roteiros sob encomenda”, afirma o produtor do Grupo INK Paulo Schmidt.
A demanda nos últimos anos, porém, fomentou o interesse na área. Existem cinco pós-graduações exclusivas de roteiro no país, mais de 80 cursos superiores de audiovisual, nos quais há pelo menos dois ou três semestres de roteiro, além dos muitos cursos livres. Para Newton Cannito isso não basta. “No fundo, a formação nem deve ser de roteiro. Deve ser de escrita criativa e/ou narrativa mesmo. O conhecimento de roteiro é 90% igual ao conhecimento de literatura. Dez por cento é o específico audiovisual. Tem que estudar mais literatura e teatro para se formar em roteiro. Não temos no Brasil formação de escritores. Não tem faculdades para formar escritores. O curso de Letras forma professores. Cinema forma pessoas que sonham em dirigir. Escritores não existem. Formar-se em roteiro é algo que vem da base, da cultura, ler Dostoiévski, Flaubert, ver muitos filmes. É uma longa formação”, aponta, mostrando que o problema é mais embaixo.
Além da formação, outra coisa que parece precisar melhorar é o pleno entendimento da função do roteirista e de onde ele se insere no fluxo. “Ninguém entende o workflow de criação. Perceberam a importância da criação coletiva, mas estão usando isso para desvalorizar criativamente todos os criadores. No Brasil, o dono da produtora tem uma ideia simples do tipo ‘4 jovens em Recife’ e assina a criação da obra. Isso não existe em nenhum lugar. Entendemos a importância do produtor criativo mas invertermos o sinal. Nos EUA, o produtor criativo é o criador que deu tão certo, que virou produtor. No Brasil, o produtor criativo é o cara que a vida toda fez a contabilidade da empresa e agora quer fingir que é roteirista. Isso é tirar o poder da criação”, enfatiza Cannito.
As exigências do mercado
Nesse âmbito da comunicação e do entendimento das distintas funções, entra outra questão: produtor sabe avaliar roteiros? “Temos que analisar roteiros sob o ponto de vista do que o distribuidor de filmes e as TVs por assinatura buscam no mercado. Estamos amarrados estruturalmente. O produtor independente ainda não tem autonomia suficiente para escolher os seus projetos, já que a cota e os incentivos para a produção televisiva são muito pequenos e os veículos não dependem desta produção para o seus negócios. De qualquer forma, os projetos devem conter ingredientes mercadológicos, portanto, adaptações de literaturas conhecidas e biografias de personalidades – em especial da música e das artes – são boas fontes para bons projetos”, explica Paulo Schmidt. Para a diretora e também produtora e roteirista Tata Amaral, os roteiros são quase matemáticos. “Há fórmulas, a narrativa tem uma estrutura. Porém, o que realmente faz diferença é o que chamo de ‘intuição da história’. Uma boa história se intui”, pontua.
A roteirista Ana Paul acha que os produtores não sabem avaliar bons roteiros. “Sequer sabem ler roteiros no Brasil. Já vi muitos produtores falando bem de um roteiro problemático só porque o tema é relevante, assim como já notei também dificuldades de análise em projetos com uma narrativa mais delicada e complexa. Historicamente, a atividade foi relegada no Brasil a uma série de procedimentos pragmáticos e burocráticos, nos quais lidar com planilhas, calendários, orçamentos, leis, captações e prestações tomava todo o tempo. Não existia, até pouco tempo atrás, a figura de um produtor mais criativo. De qualquer maneira, ainda faltam sólidos conhecimentos de dramaturgia”, aponta.
A necessidade de se enquadrar em padrões pré-determinados também prejudica a inserção de roteiristas no mercado, assim como de desenvolver diferentes obras. “No cinema, há a necessidade de se criar histórias para outros gêneros, mas isto depende muito dos distribuidores. Eles estão definindo o gênero que o povo brasileiro deve assistir. A lei que estabelece uma cota para produção nacional na TV por assinatura requer conteúdos que estejam alinhados ao perfil e grades dos canais, como seriados, por exemplo, e neste formato os roteiristas brasileiros não têm experiência e formação”, diz Paulo Schmidt. “Cada vez mais, novas formas e novos talentos estão surgindo, mas nem sempre conseguem seu lugar no mercado ou, pelo menos, um destaque maior para suas atividades. Há, por exemplo, um crescente e interessante movimento de pessoas interessadas em trabalhar com horror no Brasil, mas muitas vezes são solenemente ignoradas na hora de captar verbas públicas, pois tem gente que torce o nariz para cinema de gênero ou, no mínimo, considera que o brasileiro ainda não tem capacidade para isso. Muitos jurados de editais preferem projetos com um viés sociológico mais explícito, o que é um absurdo, pois o gênero não precisa se isentar disso nem deve ser visto como uma arte menor”, complementa Ana Paul.
Falta valorização da profissão
Uma das maiores queixas dos roteiristas é a falta de valorização ao trabalho, não só como reconhecimento da importância da função na cadeia audiovisual, como especialmente no quesito monetário. “Lembro-me de minha mãe. Quando dei um livro a ela, que escrevi, ela disse: está vendo como foi bom estudar datilografia? Escritor é quem sabe datilografar rápido. Por incrível que pareça, os produtores pensam meio como minha mãe. Acham um absurdo pagar R$ 100 mil por 100 páginas de roteiro. O Brasil é o único país do mundo aonde o fotógrafo ganha mais que o roteirista. Na verdade, até o assistente de câmera hoje ganha mais que roteirista”, provoca Cannito.
“Os produtores trabalharam durante muito tempo com a ideia de risco zero que as leis de incentivo trouxeram e não estão acostumados a investir. É muito frequente que produtoras, mesmo de grande porte, chamem o roteirista para projetos, alegando que não há dinheiro algum e que a própria empresa está também se arriscando. Contudo, a função de um empresário é justamente se arriscar, correr atrás de negócios e investir. Um roteirista, por sua vez, não é um empresário, seu talento é apenas escrever, o que não é pouco. Para piorar, há roteiristas que topam o esquema unicamente por uma questão de sonho, já que, embora não haja pagamento, há um gigantesco capital simbólico envolvendo o ato de escrever”, afirma Ana Paul.
Essa é uma das razões de ela ter preferido projetos para cinema. “Se for para fazer algo no risco ou com pagamento reduzido, é preferível que seja algo mais autoral, já que não vejo nenhum sentido fazer um trabalho comercial ganhando pouco. Além disso, o trabalho de roteirista de TV é muito parecido com uma residência médica, com carga horária gigantesca”, complementa.
“Se você pesquisar os números, vai ver que o custo proporcional do roteiro é muito baixo. Roteiros deveriam custar 5% do orçamento de uma produção para tornar atraente a carreira de roteirista. Os que já estão no mercado poderiam trabalhar de maneira mais profissional (menos pressa, dedicação exclusiva a cada projeto). E jovens talentosos seriam atraídos para a carreira”, aponta Bráulio Mantovani. Quanto ao fluxo de trabalho, para ele, a relação diretor-roteirista deve ser equilibrada, horizontal. “Se produtores e diretores querem mais e melhores roteiristas, devem incentivar mudanças no modelo de produção. Devem estabelecer com os escritores a mesma relação que o Fernando Meirelles estabeleceu comigo quando escrevi meu primeiro longa, ‘Cidade de Deus’: colocou-me na posição de autor do roteiro (com a respectiva liberdade criativa) e me pagou um bônus quando o filme ficou pronto. Ganhamos quatro indicações ao Oscar. No caso do ‘Tropa de Elite 2’, Padilha me convidou para ser sócio do filme. Investi meu cachê no projeto. Fizemos mais de 11 milhões de espectadores. Ambos os filmes têm roteiros muito bons e fizeram sucesso. Nos dois casos, o modelo da relação diretor-roteirista-produtores é radicalmente diferente daquele que se pratica hoje no Brasil”, completa.
Visões do mercado para roteirista
Atualmente, no Brasil, o roteirista tem conseguido mais trabalho como script doctor – quando é contratado para “consertar” um roteiro, estruturando-o melhor – ou como roteirista de encomenda – quando o diretor ou o produtor tem a ideia, mas não tem tempo ou não se considera apto a desenvolvê-la. Roteiros também podem surgir de demandas específicas, como adaptação de um livro ou baseado em algum fato real. Em geral, para esses projetos, já há uma verba para a roteirização.
O que parece faltar é dinheiro para o desenvolvimento de histórias. “Não existe ainda verba para desenvolvimento de projetos. Se há prêmios para 10 filmes serem produzidos, deveria ter prêmios para 70 roteiros. A média deveria ser de sete para um. O desenvolvimento é onde o Estado deve investir diretamente, pois as empresas não vão investir nisso”, pontua Newton Cannito, que faz também de três a quatro doctoring por ano. Atualmente, até é possível captar para escrever o roteiro, mas é necessário ter um argumento pronto. Além disso, essa captação é somente via artigo terceiro, o que só favorece um nicho muito específico e não quem mais precisa. “Os editais de roteiro também não são solução e precisam urgentemente ser revistos. De periodicidade incerta, não servem como pagamento inicial para um roteirista trabalhar num projeto. Não raro, o roteirista já está escrevendo mesmo sem o resultado e, para piorar, as produtoras entendem que o prêmio é na verdade de desenvolvimento da pré-produção e mordem metade do valor. Com isso, esses editais só têm interessado a diretores que também escrevem seus próprios roteiros ou então iniciantes em busca de um lugar ao sol”, complementa Ana Paul.
A roteirista aponta o edital de telefilmes da TV Cultura como sendo o melhor que existe, “muito honesto e estimulante”, que premia primeiro dez roteiros para potenciais filmes, com R$ 40 mil de verba para a feitura de roteiro. Posteriormente, apenas entre esses dez, uma nova seleção acontece para escolher quatro para a verba de produção. Foi assim que Ana emplacou “Invasores”, uma ideia totalmente desenvolvida por ela, com direção de Marcelo Toledo, com quem tem desenvolvido novos projetos, e produção da Raiz.
A falta de verba para desenvolvimento não afeta apenas os projetos de ficção, mas também os de documentário. “A sensação que dá é que o documentarista precisa ter feito a pesquisa e escrito o roteiro com dinheiro caído do céu”, desabafa Tata Amaral. “Faria editais para produção de portais de pesquisa sobre determinados conteúdos que podem depois virar séries documentais. Começa na pesquisa do conteúdo e depois filma. Tem que ter também para formatos, realities e outros. O conceito melhor seria não-ficção”, amplia a discussão Newton Cannito, que além da Globo, desenvolve paralelamente os projetos de série “Chumbo Grosso” e o remake de “O Vigilante Rodoviário”.
Produtoras usam prêmios ou esperam investimento na produção para pagar roteirista
Não é só dinheiro que falta ao setor. “Acho que falta sensibilidade para perceber que um bom projeto precisa de tempo para se desenvolver. É preciso respeitar esse tempo, investir nesse tempo. O incentivo de ser no sentido de que as produtoras (são elas que produzem os roteiros) possam dispor deste tempo e receberem dinheiro para isto. Normalmente, você orça um valor de roteiro que implica numa produção de seis meses. Para um roteiro ficar bom, você precisa de um ano ou mais, salvo raras exceções”, complementa Tata Amaral, que finaliza dois filmes, “De Menor”, de Caru Alves de Souza, e “Trago Comigo”, direção dela, derivada da minissérie que fez para a TV Cultura.
Ainda assim, as produtoras têm recebido e desenvolvido muitos projetos, tanto para cinema quanto para televisão. Andrea Barata Ribeiro, na O2, recebe vários. “Muitas vezes, os próprios diretores da casa trazem os projetos. Só produzimos o que a gente consegue olhar de perto. E isso é um número bem limitado de projetos. O que nos move é gostar de um projeto. Aprendemos com o tempo a adequar o tamanho do projeto ao público e orçamento. Mas isso depois de levar bastante pau. Também recebemos projetos de roteiristas e a dinâmica é a mesma. O olho tem que brilhar e tem que haver uma brecha para caber o projeto”, pontua. O desenvolvimento dos roteiros para cinema, geralmente, é bancado com algum prêmio, como o PAQ ou o PAR, por eles mesmos ou por uma parceria com algum distribuidor. Para TV, desenvolvem uma minibíblia e levam ao canal. Só desenvolvem com sinal verde da emissora. Em breve, a O2 lançará as séries “Beleza S/A”, para a GNT, “Trabalho Duro”, para a Discovery, e “Os Experientes”, para a Globo, e os filmes “Reveillon”, de Fabio Mendonça, “Zoom”, de Pedro Morelli, e “Pedro Malasartes, o Único Homem que Enganou a Morte”, de Paulo Morelli.
Paulo Schmidt, atualmente, produz ou coproduz os longas “Objetos Perdidos ou a História das Duas Únicas Pessoas do Planeta Terra”, de Luiz Fernando Carvalho, “Meu Tempo é Agora”, de Johnny Araújo, “Rio-Santos”, de Klaus Mitteldorf, e “Eu te Levo”, de Marcelo Müller. Na Academia de Filmes, parte do Grupo INK, está com diversos projetos, muitos vindos de profissionais de mercado. “Não há recursos suficientes para investir, portanto, estamos abertos para receber e analisar projetos. Em paralelo, desenvolvemos projetos a partir de pesquisa de fatos reais e de literatura. Temos investido recursos da produtora, mas muito modestamente. Muitos projetos são abraçados por roteiristas por um cachê mínimo, os quais serão finalizados quando os projetos forem viabilizados”, explica. Os valores totais variam muito em função do argumento e do profissional, podendo ir de R$ 40 mil a R$ 200 mil. “Ainda não temos padrões para projetos de TV. São muitos os formatos, incluindo telefilmes, seriados, programas etc. Certamente a remuneração também será fixada em função do profissional, do formato e do canal”, pontua.
Tata Amaral tem uma dinâmica diferente, por escrever e também produzir. “Tenho uma relação bastante estimulante e criativa com os roteiristas. Como produtora, a palavra final é minha. Como diretora, também mexo no roteiro, seja nas filmagens, seja na montagem. Raramente pedi para alguém trabalhar sem ter os recursos para pagamento. O que acontece é que estes pagamentos são feitos por etapa, de acordo com a captação ou o momento do trabalho”, explica Tata, que usou metade do PAR de “Antônia” para a primeira etapa de “Hoje”, desenvolvida por Jean-Claude Bernardet e Rubens Rewald, antes da entrada da Petrobras.
Por Gabriel Carneiro
A questão não é a falta de roteiristas
Para o roteirista de cinema e TV, presidente da Associação de Roteiristas (A.R.), ex-Secretário do Audiovisual e contratado como autor da TV Globo, Newton Cannito, existem sim problemas de roteiro no audiovisual brasileiro, mas os roteiristas não podem ser considerados os únicos bodes expiatórios. “Todo mundo entendeu a importância do roteiro. Mas poucos entenderam a do roteirista. Com certeza temos problema de roteiro. Mas não consigo dizer que faltam roteiristas. Pode até ser que falte. Mas conheço dezenas de roteiristas aptos que se formaram para fazer seriados e desistiram de trabalhar com produção independente pelas péssimas condições que ela oferece”, afirma. “Quem tem feito os roteiros das séries não são roteiristas, são os donos da produtora e/ou os diretores de publicidade. Eles contratam jovens como colaboradores de roteiros para atuar como datilógrafos de luxo. Isso não funciona. Não falta roteirista. Falta dar poder ao roteirista”, pontua enfaticamente. Essa é uma das razões que o levaram para a TV Globo. “Para roteirista, só a Globo salva. Hoje é a única empresa que valoriza a carreira de roteirista. Eles chamam inclusive de autor-roteirista, enfatizando o autor. Passei 10 anos apostando em séries e produção independente. Apanhei muito e percebi que o certo mesmo era atuar na Globo. Lá, estou começando de novo, mas já vejo várias novas perspectivas. Estou atuando em colaboração em novelas e tentando emplacar seriados”, explica.
O roteirista Braúlio Mantovani, responsável por “Cidade de Deus” e “Tropa de Elite 2”, entre outros, concorda com Cannito. “Tanta reclamação não pode ser à toa. Mas por que faltam roteiristas? Seria falta de talento? Acho improvável. Veja que essa afirmação diz respeito ao cinema – e agora à produção independente de séries, que segue o mesmo modelo do cinema. Eu nunca ouvi as pessoas do meio dizerem: ‘Faltam autores de novela’. Se o problema fosse falta de talento, faltariam autores/roteiristas para tudo. Se a falta existe apenas na produção de cinema e de séries realizadas pelas mesmas produtoras que fazem os filmes, talvez a explicação esteja no modelo de produção. Roteiristas no Brasil não têm reconhecimento autoral e ganham mal. Ganham muito mal. Por isso, trabalham em muitos projetos, escrevem com muita velocidade, não têm tempo para reescrever – o que é fundamental em qualquer roteiro, seja qual for o talento do autor”, aponta.
O que falta é mercado
Se por um lado as condições ruins de trabalho exigem uma velocidade não condizente com qualidade, ainda dividido em vários projetos, a profissão de roteirista profissional – que só faz roteiros – não tem tradição no Brasil. “A profissão de roteirista é algo novo na nossa cultura. Uma pessoa investir anos estudando para ser roteirista era bem menos cogitado há 10 anos. Temos vários bons roteiristas, mas na maioria das vezes ou são contratados fixos de alguma emissora ou muitas vezes estão ocupados em outros trabalhos. Ser um bom roteirista exige, além do talento, bastante trabalho e estudo. A prática também traz experiência e agora estamos conseguindo ter um mercado com um volume de trabalho que vai permitir dar quilometragem para muitos profissionais”, afirma Andrea Barata Ribeiro, produtora da O2 Filmes, que crê faltarem também profissionais de outras áreas, como produtores executivos. “Concordo que muitos projetos, inclusive alguns que produzi, têm problemas no roteiro. A experiência, bem como a formação acadêmica, pode ajudar bastante. Um pouco de humildade também faz bem. Muitas vezes converso com colegas que se acham sensacionais ou totalmente preparados para qualquer coisa. Não é bem assim. Temos um caminho a percorrer”, complementa.
A roteirista e professora Ana Paul discorda veementemente da falta de roteiros ou roteiristas. “Fui jurada de vários editais e neles pude perceber a enorme criatividade que rola por aí. Tomar as decisões sempre é muito complicado, porque costuma ter pelo menos três vezes o número de projetos excelentes do que a possibilidade de premiação. O que falta é um mercado. Não um calculado pelo número de horas de audiovisual brasileiro na TV a cabo, mas um em que se movimente dinheiro. A média de valor para todas as etapas de uma produção de meia hora para cumprimento da lei é de R$ 30 mil para ficção e R$ 15 mil para documentário. Isso é muito pouco e precariza todo o setor. Nesse contexto, acaba se apelando para os iniciantes, que muitas vezes não têm experiência para tocar responsabilidades maiores. Além do mais, a atividade sofre muito com as incertezas a respeito dos rumos de uma produção, principalmente, em relação a orçamento e cronograma”, explica. Segundo Ana, tais acusações são frutos do tempo atual. “Há, de fato, um clima muito conservador e retrógrado na sociedade contemporânea, que algumas pessoas consideram pouco estimulante para a produção de uma arte que não seja de puro lazer ou entretenimento”, afirma.
A formação do roteirista
Parece haver um consenso quando se diz que há bons roteiros e bons roteiristas no Brasil, em maior ou menor grau, assim como parece ser consenso que boa parte dos produtos audiovisuais brasileiros tem problemas diversos na estruturação dos roteiros. Com o aumento da produção, a necessidade por roteiristas e criadores passou a ser maior. Historicamente, no Brasil, o diretor é o roteirista, e isso continua forte. “Geralmente, isso acontece por três motivos. O mais óbvio é que ele se sente apto a escrever também, o que pode ser verdade ou não. Outro motivo é a desconfiança e o preconceito que existe contra o roteirista no meio audiovisual, como se ele pertencesse a um fã clube de adoradores do Syd Field, ávido por fazer um ponto de virada na página 27. Embora, infelizmente, esses adoradores de manuais realmente existam, a atividade de escrita de roteiro é infinitamente mais sofisticada que o reducionismo que inventaram por aí. Por último, muitos diretores gostam de escrever roteiros também para obterem esse pagamento no orçamento. Alguns se dedicam à produção pelo mesmo motivo, em vez de delegar a um profissional capacitado e exclusivo. Além disso, há diretores que exigem que o roteirista divida o crédito com ele, mesmo não tendo escrito nada, conseguindo assim metade da verba”, explica Ana Paul.
“Os nossos profissionais ainda são autodidatas, o que é plenamente justificável. O cinema perdeu muito espaço com o fechamento da Embrafilme e só voltou a ganhar espaço com a criação da Ancine. Neste período, filmes realizados por diretores que também eram autores e, muitas vezes, produtores eram na sua maioria autorais. Há a necessidade dos roteiristas trabalharem para os produtores, desenvolverem roteiros sob encomenda”, afirma o produtor do Grupo INK Paulo Schmidt.
A demanda nos últimos anos, porém, fomentou o interesse na área. Existem cinco pós-graduações exclusivas de roteiro no país, mais de 80 cursos superiores de audiovisual, nos quais há pelo menos dois ou três semestres de roteiro, além dos muitos cursos livres. Para Newton Cannito isso não basta. “No fundo, a formação nem deve ser de roteiro. Deve ser de escrita criativa e/ou narrativa mesmo. O conhecimento de roteiro é 90% igual ao conhecimento de literatura. Dez por cento é o específico audiovisual. Tem que estudar mais literatura e teatro para se formar em roteiro. Não temos no Brasil formação de escritores. Não tem faculdades para formar escritores. O curso de Letras forma professores. Cinema forma pessoas que sonham em dirigir. Escritores não existem. Formar-se em roteiro é algo que vem da base, da cultura, ler Dostoiévski, Flaubert, ver muitos filmes. É uma longa formação”, aponta, mostrando que o problema é mais embaixo.
Além da formação, outra coisa que parece precisar melhorar é o pleno entendimento da função do roteirista e de onde ele se insere no fluxo. “Ninguém entende o workflow de criação. Perceberam a importância da criação coletiva, mas estão usando isso para desvalorizar criativamente todos os criadores. No Brasil, o dono da produtora tem uma ideia simples do tipo ‘4 jovens em Recife’ e assina a criação da obra. Isso não existe em nenhum lugar. Entendemos a importância do produtor criativo mas invertermos o sinal. Nos EUA, o produtor criativo é o criador que deu tão certo, que virou produtor. No Brasil, o produtor criativo é o cara que a vida toda fez a contabilidade da empresa e agora quer fingir que é roteirista. Isso é tirar o poder da criação”, enfatiza Cannito.
As exigências do mercado
Nesse âmbito da comunicação e do entendimento das distintas funções, entra outra questão: produtor sabe avaliar roteiros? “Temos que analisar roteiros sob o ponto de vista do que o distribuidor de filmes e as TVs por assinatura buscam no mercado. Estamos amarrados estruturalmente. O produtor independente ainda não tem autonomia suficiente para escolher os seus projetos, já que a cota e os incentivos para a produção televisiva são muito pequenos e os veículos não dependem desta produção para o seus negócios. De qualquer forma, os projetos devem conter ingredientes mercadológicos, portanto, adaptações de literaturas conhecidas e biografias de personalidades – em especial da música e das artes – são boas fontes para bons projetos”, explica Paulo Schmidt. Para a diretora e também produtora e roteirista Tata Amaral, os roteiros são quase matemáticos. “Há fórmulas, a narrativa tem uma estrutura. Porém, o que realmente faz diferença é o que chamo de ‘intuição da história’. Uma boa história se intui”, pontua.
A roteirista Ana Paul acha que os produtores não sabem avaliar bons roteiros. “Sequer sabem ler roteiros no Brasil. Já vi muitos produtores falando bem de um roteiro problemático só porque o tema é relevante, assim como já notei também dificuldades de análise em projetos com uma narrativa mais delicada e complexa. Historicamente, a atividade foi relegada no Brasil a uma série de procedimentos pragmáticos e burocráticos, nos quais lidar com planilhas, calendários, orçamentos, leis, captações e prestações tomava todo o tempo. Não existia, até pouco tempo atrás, a figura de um produtor mais criativo. De qualquer maneira, ainda faltam sólidos conhecimentos de dramaturgia”, aponta.
A necessidade de se enquadrar em padrões pré-determinados também prejudica a inserção de roteiristas no mercado, assim como de desenvolver diferentes obras. “No cinema, há a necessidade de se criar histórias para outros gêneros, mas isto depende muito dos distribuidores. Eles estão definindo o gênero que o povo brasileiro deve assistir. A lei que estabelece uma cota para produção nacional na TV por assinatura requer conteúdos que estejam alinhados ao perfil e grades dos canais, como seriados, por exemplo, e neste formato os roteiristas brasileiros não têm experiência e formação”, diz Paulo Schmidt. “Cada vez mais, novas formas e novos talentos estão surgindo, mas nem sempre conseguem seu lugar no mercado ou, pelo menos, um destaque maior para suas atividades. Há, por exemplo, um crescente e interessante movimento de pessoas interessadas em trabalhar com horror no Brasil, mas muitas vezes são solenemente ignoradas na hora de captar verbas públicas, pois tem gente que torce o nariz para cinema de gênero ou, no mínimo, considera que o brasileiro ainda não tem capacidade para isso. Muitos jurados de editais preferem projetos com um viés sociológico mais explícito, o que é um absurdo, pois o gênero não precisa se isentar disso nem deve ser visto como uma arte menor”, complementa Ana Paul.
Falta valorização da profissão
Uma das maiores queixas dos roteiristas é a falta de valorização ao trabalho, não só como reconhecimento da importância da função na cadeia audiovisual, como especialmente no quesito monetário. “Lembro-me de minha mãe. Quando dei um livro a ela, que escrevi, ela disse: está vendo como foi bom estudar datilografia? Escritor é quem sabe datilografar rápido. Por incrível que pareça, os produtores pensam meio como minha mãe. Acham um absurdo pagar R$ 100 mil por 100 páginas de roteiro. O Brasil é o único país do mundo aonde o fotógrafo ganha mais que o roteirista. Na verdade, até o assistente de câmera hoje ganha mais que roteirista”, provoca Cannito.
“Os produtores trabalharam durante muito tempo com a ideia de risco zero que as leis de incentivo trouxeram e não estão acostumados a investir. É muito frequente que produtoras, mesmo de grande porte, chamem o roteirista para projetos, alegando que não há dinheiro algum e que a própria empresa está também se arriscando. Contudo, a função de um empresário é justamente se arriscar, correr atrás de negócios e investir. Um roteirista, por sua vez, não é um empresário, seu talento é apenas escrever, o que não é pouco. Para piorar, há roteiristas que topam o esquema unicamente por uma questão de sonho, já que, embora não haja pagamento, há um gigantesco capital simbólico envolvendo o ato de escrever”, afirma Ana Paul.
Essa é uma das razões de ela ter preferido projetos para cinema. “Se for para fazer algo no risco ou com pagamento reduzido, é preferível que seja algo mais autoral, já que não vejo nenhum sentido fazer um trabalho comercial ganhando pouco. Além disso, o trabalho de roteirista de TV é muito parecido com uma residência médica, com carga horária gigantesca”, complementa.
“Se você pesquisar os números, vai ver que o custo proporcional do roteiro é muito baixo. Roteiros deveriam custar 5% do orçamento de uma produção para tornar atraente a carreira de roteirista. Os que já estão no mercado poderiam trabalhar de maneira mais profissional (menos pressa, dedicação exclusiva a cada projeto). E jovens talentosos seriam atraídos para a carreira”, aponta Bráulio Mantovani. Quanto ao fluxo de trabalho, para ele, a relação diretor-roteirista deve ser equilibrada, horizontal. “Se produtores e diretores querem mais e melhores roteiristas, devem incentivar mudanças no modelo de produção. Devem estabelecer com os escritores a mesma relação que o Fernando Meirelles estabeleceu comigo quando escrevi meu primeiro longa, ‘Cidade de Deus’: colocou-me na posição de autor do roteiro (com a respectiva liberdade criativa) e me pagou um bônus quando o filme ficou pronto. Ganhamos quatro indicações ao Oscar. No caso do ‘Tropa de Elite 2’, Padilha me convidou para ser sócio do filme. Investi meu cachê no projeto. Fizemos mais de 11 milhões de espectadores. Ambos os filmes têm roteiros muito bons e fizeram sucesso. Nos dois casos, o modelo da relação diretor-roteirista-produtores é radicalmente diferente daquele que se pratica hoje no Brasil”, completa.
Visões do mercado para roteirista
Atualmente, no Brasil, o roteirista tem conseguido mais trabalho como script doctor – quando é contratado para “consertar” um roteiro, estruturando-o melhor – ou como roteirista de encomenda – quando o diretor ou o produtor tem a ideia, mas não tem tempo ou não se considera apto a desenvolvê-la. Roteiros também podem surgir de demandas específicas, como adaptação de um livro ou baseado em algum fato real. Em geral, para esses projetos, já há uma verba para a roteirização.
O que parece faltar é dinheiro para o desenvolvimento de histórias. “Não existe ainda verba para desenvolvimento de projetos. Se há prêmios para 10 filmes serem produzidos, deveria ter prêmios para 70 roteiros. A média deveria ser de sete para um. O desenvolvimento é onde o Estado deve investir diretamente, pois as empresas não vão investir nisso”, pontua Newton Cannito, que faz também de três a quatro doctoring por ano. Atualmente, até é possível captar para escrever o roteiro, mas é necessário ter um argumento pronto. Além disso, essa captação é somente via artigo terceiro, o que só favorece um nicho muito específico e não quem mais precisa. “Os editais de roteiro também não são solução e precisam urgentemente ser revistos. De periodicidade incerta, não servem como pagamento inicial para um roteirista trabalhar num projeto. Não raro, o roteirista já está escrevendo mesmo sem o resultado e, para piorar, as produtoras entendem que o prêmio é na verdade de desenvolvimento da pré-produção e mordem metade do valor. Com isso, esses editais só têm interessado a diretores que também escrevem seus próprios roteiros ou então iniciantes em busca de um lugar ao sol”, complementa Ana Paul.
A roteirista aponta o edital de telefilmes da TV Cultura como sendo o melhor que existe, “muito honesto e estimulante”, que premia primeiro dez roteiros para potenciais filmes, com R$ 40 mil de verba para a feitura de roteiro. Posteriormente, apenas entre esses dez, uma nova seleção acontece para escolher quatro para a verba de produção. Foi assim que Ana emplacou “Invasores”, uma ideia totalmente desenvolvida por ela, com direção de Marcelo Toledo, com quem tem desenvolvido novos projetos, e produção da Raiz.
A falta de verba para desenvolvimento não afeta apenas os projetos de ficção, mas também os de documentário. “A sensação que dá é que o documentarista precisa ter feito a pesquisa e escrito o roteiro com dinheiro caído do céu”, desabafa Tata Amaral. “Faria editais para produção de portais de pesquisa sobre determinados conteúdos que podem depois virar séries documentais. Começa na pesquisa do conteúdo e depois filma. Tem que ter também para formatos, realities e outros. O conceito melhor seria não-ficção”, amplia a discussão Newton Cannito, que além da Globo, desenvolve paralelamente os projetos de série “Chumbo Grosso” e o remake de “O Vigilante Rodoviário”.
Produtoras usam prêmios ou esperam investimento na produção para pagar roteirista
Não é só dinheiro que falta ao setor. “Acho que falta sensibilidade para perceber que um bom projeto precisa de tempo para se desenvolver. É preciso respeitar esse tempo, investir nesse tempo. O incentivo de ser no sentido de que as produtoras (são elas que produzem os roteiros) possam dispor deste tempo e receberem dinheiro para isto. Normalmente, você orça um valor de roteiro que implica numa produção de seis meses. Para um roteiro ficar bom, você precisa de um ano ou mais, salvo raras exceções”, complementa Tata Amaral, que finaliza dois filmes, “De Menor”, de Caru Alves de Souza, e “Trago Comigo”, direção dela, derivada da minissérie que fez para a TV Cultura.
Ainda assim, as produtoras têm recebido e desenvolvido muitos projetos, tanto para cinema quanto para televisão. Andrea Barata Ribeiro, na O2, recebe vários. “Muitas vezes, os próprios diretores da casa trazem os projetos. Só produzimos o que a gente consegue olhar de perto. E isso é um número bem limitado de projetos. O que nos move é gostar de um projeto. Aprendemos com o tempo a adequar o tamanho do projeto ao público e orçamento. Mas isso depois de levar bastante pau. Também recebemos projetos de roteiristas e a dinâmica é a mesma. O olho tem que brilhar e tem que haver uma brecha para caber o projeto”, pontua. O desenvolvimento dos roteiros para cinema, geralmente, é bancado com algum prêmio, como o PAQ ou o PAR, por eles mesmos ou por uma parceria com algum distribuidor. Para TV, desenvolvem uma minibíblia e levam ao canal. Só desenvolvem com sinal verde da emissora. Em breve, a O2 lançará as séries “Beleza S/A”, para a GNT, “Trabalho Duro”, para a Discovery, e “Os Experientes”, para a Globo, e os filmes “Reveillon”, de Fabio Mendonça, “Zoom”, de Pedro Morelli, e “Pedro Malasartes, o Único Homem que Enganou a Morte”, de Paulo Morelli.
Paulo Schmidt, atualmente, produz ou coproduz os longas “Objetos Perdidos ou a História das Duas Únicas Pessoas do Planeta Terra”, de Luiz Fernando Carvalho, “Meu Tempo é Agora”, de Johnny Araújo, “Rio-Santos”, de Klaus Mitteldorf, e “Eu te Levo”, de Marcelo Müller. Na Academia de Filmes, parte do Grupo INK, está com diversos projetos, muitos vindos de profissionais de mercado. “Não há recursos suficientes para investir, portanto, estamos abertos para receber e analisar projetos. Em paralelo, desenvolvemos projetos a partir de pesquisa de fatos reais e de literatura. Temos investido recursos da produtora, mas muito modestamente. Muitos projetos são abraçados por roteiristas por um cachê mínimo, os quais serão finalizados quando os projetos forem viabilizados”, explica. Os valores totais variam muito em função do argumento e do profissional, podendo ir de R$ 40 mil a R$ 200 mil. “Ainda não temos padrões para projetos de TV. São muitos os formatos, incluindo telefilmes, seriados, programas etc. Certamente a remuneração também será fixada em função do profissional, do formato e do canal”, pontua.
Tata Amaral tem uma dinâmica diferente, por escrever e também produzir. “Tenho uma relação bastante estimulante e criativa com os roteiristas. Como produtora, a palavra final é minha. Como diretora, também mexo no roteiro, seja nas filmagens, seja na montagem. Raramente pedi para alguém trabalhar sem ter os recursos para pagamento. O que acontece é que estes pagamentos são feitos por etapa, de acordo com a captação ou o momento do trabalho”, explica Tata, que usou metade do PAR de “Antônia” para a primeira etapa de “Hoje”, desenvolvida por Jean-Claude Bernardet e Rubens Rewald, antes da entrada da Petrobras.
Por Gabriel Carneiro