Insight Insano
@Rosinaldo Luna
(Em num canto um
banco alto, branco, no outro canto uma máscara veneziana. Como que em mágica
surge um ser quase translúcido. Percebe-se uma angustia e uma inquietude. Ele
caminha de um lado a outro do palco freneticamente. Tiques e balbucios são
ouvidos. Uma música desconcertante acompanha a ação. O personagem vê no canto a
máscara. Pára a contemplá-la, aproxima-se, de início com um pouco de medo,
observa, pega a máscara cuidadosamente, como que dali possa sair algo perigoso.
Observa-a, experimenta-a. Torna a coloca-la no mesmo lugar. Música vem em
crescendo e para abruptamente. ).
ICARO- (Um grito de loucura!)
Ahhhhhhhhhhhhh!!!(PAUSA. DENTRO DO OLHO DA PLATÉIA) Meus ouvidos estão
explodindo, minha boca está seca e...
OS DOIS- eu estou aqui, há dias, há meses,
perdido, preso neste lugar que não é o que nele existe de verdade... Não é o
que nele existe de verdade...
ICARO- Meu nome é Ícaro... Dizem que foi um
cara que tinha asas e que morreu quando voava muito perto do sol porque as asas
eram de cera... Deveria ser um louco...
ICARO*-... Meu nome é Ícaro... Dizem que foi um
cara que tinha asas e que morreu quando voava muito perto do sol porque as asas
eram de cera... Deveria ser um louco...
OS DOIS- Eu não... Jamais seria louco o
suficiente para ir tão longe...
ICARO- Fora de cogitação, não sei nadar... não
sei nadar... (Uma música vem em crescendo e cresce como que cavando lembranças,
Os dois entram em zen. Como que dopados por seus medicamentos)
ICARO*- Desde que nasci que vivo assim preso
entre paredes inexistentes, vendo rostos inexistentes... Como agora...
ICARO- Vejo rostos, vejo faces me olhando...
ICARO*- Vejo rostos, vejo faces me olhando...
ICARO- Sério... Não, não pensem que estou
louco. Isto não é loucura. Isto não é loucura. Isto não é loucura. (GRITANDO) É
a mais pura verdade, (SUPLICANTE) é a mais pura verdade, é a mais pura
verdade... (DOÇE) a mais pura verdade... (Gargalhando) Até outro dia foi
engraçado... (Música cresce. Como que confessando um grande segredo) Uma
moça... A mesma moça, a mesma moça, a mesma moça... Aquela (Aponta para a
máscara) Esteve aqui...
ICARO*- (DOÇE. APAIXONADO) Ela sempre está
aqui. Me observa. Ela quer me ver louco... Ela não que em ver louco, Ela quer
me ver louco....
ICARO- (FEROZ. COMO UM ANIMAL FERIDO) Ela
sempre está aqui. Me observa. Ela quer me ver louco... Ela não que em ver
louco, Ela quer me ver louco....
OS DOIS- Sei lá... (CONFUSOS) Às vezes meus
pensamentos entram em desalinho, e não consigo pensar com clareza... Mais o
fato é que ela sempre está aqui. As vezes penso em perguntar quem é ela... Mais
me falta coragem. (COMO CONFESSANDO) Vai pensar que sou louco... Você não está
acreditando?
ÍCARO- (MÚSICA) Desde que nasci que estou aqui nesse lugar,
sem paredes, sem chão, sem tetos... Um lugar onde vim parar sozinho ou me
colocaram... ou me colocaram... ou me colocaram... Mais agora que quero
sair....
ÍCARO*- (ANGUSTIADO) Vejo rostos... Muitos
rostos... Eles me observam através das cortinas, e acredito que têm medo de mim
kkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkk
ICARO- (ENVERGONHADO) Sinto medo deles também,
eu confesso. Eu confesso...
ÍCARO*- Sinto medo deles também, eu confesso.
Eu confesso... Tenho medo porque eles pensam que sou perigoso, mais como? Como
eu sou perigoso?... Como que sou perigoso?... Como que sou...
OS DOIS- Porque pensam que sou perigoso se nem
ao menos se dão ao trabalho de me conhecerem...
ÍCARO- Desde que nasci estou aqui, preso no
35° andar desse lugar que me angustia, que me separa de mim. Vejo de um lado
minha alma, no outro minha face. Oculta. Misteriosa. Mais eu estou aqui... Eu
estou aqui... Eu estou aqui... (Grita para alguém lá em baixo)
OS DOIS- Olá! Porque não aproveita e entra? Vem
tomar um chá comigo...
ÍCARO- É o jornaleiro, sempre passa a essa
hora, apressado, nunca para... Olha de
longe e de longe mesmo joga o jornal que nunca leio e que tem sempre a mesma
data, eu vejo as datas. Aliás adoro
datas. Adoro... Ado... (Busca no ar objetos, observa encantado. Joga os para o
alto, um a um como quem despreza folhas de papéis)
OS DOIS- (SUAVES) Na geladeira tenho leite com
chocolate... Aceita um biscoitinho com chá... Somos civilizados... ___ Ou! Está
uma delicia, docinho...
ÍCARO- Que merda...
ÍCARO*- Que merda...
OS DOIS_ Que merda... (DIVERTINDO-SE. RIEM COMO
CRIANÇAS) Está doce, odeio açúcar, não posso tomar açúcar, minha taxa de
glicose não permite. Não podemos ser
antipáticos à primeira visita. Aliás nunca devemos ser antipáticos... Sim
senhor, obrigado senhor, muito agradecido senhor... Vá se lascar senhor. (CAEM
NA GARGALHADO)
ICARO- (Sóbrio. Informativo) Isso queremos
dizer na maioria das vezes mais... ÍCARO*-
(Num grito) Você está louco!
OS DOIS- (SERENO) Na geladeira temos leite e
chocolate... (NOUTRO TOM) Desde que nasci que vivo aqui... desde que nasci, me
colocaram aqui, ou eu mesmo vim sozinho, eu vim sozinho... Desde que nasci.
ÍCARO- (VINDO DO FUNDO DO PALCO COMO UM
PALESTRANTE) Às vezes penso que morri e que este lugar é lugar nenhum... mais
como? Sei que quando morremos vamos pro céu... Ou pro inferno... Não... Não
morri...
ÍCARO*- Acho a morte um espetáculo quase
teatral... (ICARO VAI SE TRANSFORMANDO. VESTE VESTIDO PRETO, LONGO, CHAPÉU COM
VÉU DE TULE PRETO. ESTÃO ELEGANGES SENHORAS DE PRETO AGORA) O cenário, o
velório... Os Inimigos... Uma viúva chorando e verbalizando o quanto ele era
bom, o quanto era companheiro. Eu não perderia isto por nada... (GRITAM
DIVERTIDAMENTE) Eu prefiro morrer a não ir pro meu velório...
ICARO-- No dia do meu velório eu mesmo vou recepcionar
cada expectador que vier me ver deitado no caixão. Cada convidado... Cada
convidado. Vai ser muito divertido... Aliás estão todos convidados por mim a
estarem presentes no meu velório... Vamos rir muito com o pranto da boa
senhora. A viúva apaixonada... (Pega uma máscara negra... Veste. Em prantos
contidos)
ÍCARO*- Sei que quando morremos vamos pro
céu... Ou pro inferno... Não... Não morri...
MULHER DE PRETO- Ou meu amor... Não vai embora,
veja a vida como chora como é triste essa canção... Vou senti tanta saudade...
Não.. Não ... Não... Como vou viver. Acabou a luz da minha vida, o ar que eu
respiro... E nossos filhos meu amado?... Quem vai cuidar deles?... E como serão
minhas noites sem você ao meu lado?...(Cai em prantos ... soluçando...Arranca
violentamente a máscara)
ICARO*- (CRUEL) No íntimo está remoendo as
grosserias, as traições e pensando tudo ao contrário...
MULHER DE PRETO- (RECOMPONDO-SE) Vai desgraçado,
vai que eu agora vou me esbaldar... Vou sair todas as noites e conhecer todos
os homens que puder...
ICARO*- E os filhos já se digladiando sobre os bens
e a partilha da herança... As vezes penso que são tão verdadeiros... Mais no
fundo são lobos que parecerem cordeirinhos...
MULHER DE PRETO- Desde que eu nasci que eu vivo
aqui... Estou lembrando...
OS DOIS- Era meia-noite e o Sol brilhava no horizonte
Um negro careca penteava sua linda
cabeleira loira com um pente sem dentes
Pertinho dali, a 100 mil milhas de
distância
Enquanto um cego analfabeto lia um
jornal
Sem letras, de ponta cabeça
Um surdo-mudo sentado em pé em uma pedra de madeira feita de barro dizia:
(Surdo-mudo) __ A vida é como uma canoa, que navega de cabeça pra baixo nas ondas de um poço sem água.
Enquanto isso, na sua direita ao lado
esquerdo um jacaré voava nadando devagar em alta velocidade
As vacas pulavam de galho em galho a procura de seus ninhos em rítmo de Yê-Yê-Yê
Os passarinhos pastavam o capim que
nascia no asfalto.
No outro lado da cidade, em um bosque
sem árvores, um elefante descansava
Aliviadamente apavorado, debaixo da
sombra de um couve sem folha
Os animais observavam, de olhos
fechados, uma mulher gritando baixo em voz alta:
MULHER DE PRETO- Prefiro me matar, do que perder a vida! (PAUSA)
ICARO*- Os quatro profetas, eram três: Moisés e José... Eram só três...
O mundo era uma bola quadrada, que
girava em torno da lua.
A lua, me disseram, é feita de massa
de pizza, por um padeiro inglês em uma padaria de subúrbio... (QUASE
SUSSURRANDO) E as marcas que vemos daqui são narizes... Por isso não vemos
nossos narizes... Você sabe onde foi parar o seu nariz? Alguém aí viu o seu
próprio nariz?... (NUM GRITO) Eles estão lá, na lua... Na lua... Meu nariz está
na lua... Lá na lua... Vocês sabiam que foi o nariz que instaurou a II Guerra
Mundial?... Foi por culpa dele, do nariz... do nariz...Foi por ele que Hitler
pretendia invadir a lua... Dizem que Hitler pretendia invadir a lua, ele e um
batalhão de mascarados para resgatar os narizes dos judeuses... Hitler quer ir
pra lua para fazer um holocausto nasal...
OS DOIS- ( Deseperados ) Nãooooooooooooooooooooo... Não deixem Hitler invadir a
lua.. Santo Deus, vai achatar nossos narizes... Va achatar nossos narizes...
Vai achatar... (Noutro tom) Existe também uma segunda teoria que não vemos
nossos narizes porque eles estão sempre fora das faces, fuçando a vida
alheia... Mais você vai me dizer que..-.
ICARO*- Não!! Eu não costumo me meter na vida de ninguém...
ÍCARO- (RI DEBOCHADAMENTE)... Todos nós adoramos observar a vida alheia...
Mais isto não é loucura...
ICARO*- Mentiraaa... Aliás, mentir é esporte
predileto do ser humano... Todos os homens mentem... Já nascemos com um chip de
milhares de terabite de mentiras prontas...
ICARO- Ou vão me dizer que estão achando esse
texto lindo, ou querem me convencer que estão adorando minha performance...
ÍCARO*- Ou vão me dizer que estão achando esse
texto lindo, ou querem me convencer que estão adorando minha performance...
ICARO- Talvez até estejam gostando de ver meu
corpinho nada mal, tudo de bom... Talvez esteja adorando ver meu corpinho...
mais como. Como... Como... Você pode até ver meu corpo mais nunca a minha alma!
Ela não deixa que você veja minha alma... (PEDALANDO A BICICLETA). A mentira
nos permite flutuar serenamente na zona de conforto, como o vórtice de um
tornado que suavemente vai cruzando a testa do careca motorista do taxi cor de
abobora. E como um vestido de festa esconde as marcas de catapora nas pernas da
moça. Como a calça que esconde a genitália ameaçadora do rapaz jovem que fica
ereto até com o desenho do bob Sponja ...
ICARO*- Eu não sou louco.. Não sou louco...O que nos faz parecer loucos são
elas, sempre elas... Essas vestimentas que criamos para esconder todas as
nossas verdades, as nossas vergonhas, porém, elas também escondem o que temos
de melhor, de mais bonito, porque onde existe o belo está também o verdadeiro belo,
o ser.
ÍCARO- Na geladeira temos leite com chocolate... Porque não sobe e vem tomar
um café conosco, esta quentinho... uma delicia... Ele sempre foge feito uma
tartaruga em corrida da São Silvestre...
ICARO*- Todos os dias,,, todos os dias,,, todos os dias,,, Você não está acreditando?
Você não esta acreditando? Eu não estou mentindo, aliás eu odeio mentiras...
Minha razão não me permite mentir...
ICARO- Na geladeira temos leite e chocolate...
Eu lembro direitinho... Estive lá. Lembro a data. 31/12/de um ano qualquer...
Iemanjá dançava funk na beira do rio que na realidade era de leite e mel... as
meninas engravidavam pequenos cachorrinhos de pelúcia rosa e os pais comiam
vísceras de bois criados em imensos aquários de água salgada retirada de um
deserto de areia marciano... Os meninos empinavam bonecas de salto alto
enquanto trocavam batons e brinquinhos entre risos inocentes e sonhavam com
seus vestido e festas de debutantes... Obedientemente um padre observava tudo
sobriamente vestindo seu nudes desavergonhado e se masturbava assistindo um
vídeo sobre o mani craft... Obedientemente protegido por uma imensa máscara de
gás carbônico estéril... (DANÇAM)
MULHER DE PRETO- Um dia decidiram que duas
pessoas diferentes não se permite viver igualmente... Ele era um rapaz muito
bom, educado, trabalhador. Dor... Ele também era um rapaz muito bom, educado,
trabalhador. Mas ensinaram que a ele tudo... Ele no entanto foi ensinado que a
ele nada... Nada... E decidiu que poderia se divertir ATROPELANDO sua bicicleta
porque era mais barata que o carro que estonteantemente cruzava o oceano sobre
as nuvens do pó que o consumia, e que papai escondia porque não pode ser... não
pode ser... Minha cabeça está em confusão, esse menino é uma vítima social de
alto padrão...(CONSTATA A ÚLTIMA FRASE ME PÂNICO. CONGELA. ATERRADOR)
ICARO*-(GRITANDO) Não!.. Porque você fez isso
com ele? Ele só queria trabalhar... E de repente veio aquele monstro cor de
noite e o atropelou com suas quatro rodas e uma boca enorme de 400 cavalos e o
arremessou para fora do acostamento... jogou ele para longe de sua família,
para distante da ciclovia que ligava sua mente a realidade...
ICARO- Ela estava nua... ela estava nua... Ela
estava nua expondo todas as vergonhas... Vistam a realidade, porque ela está
nua e crua... Nua e crua... nua e crua... Porque fazem isto as vítimas
inocentes da ciclovia?
OS DOIS- Desde que eu nasci, lembro direitinho
o dia e a hora que eu nasci... Foi no mesmo dia do meu aniversário de 18
anos... Foi no mesmo dia... Mesmo dia... Foi no mesmo dia que começam a modelar
minha máscara... (UMA EUFORIA VAI CRESCENDO ATÉ ATINGIR O ÁPICE. PARAM. OLHAR
PERDIDO)
ICARO*- Todo os dias as pessoas vão colocando
máscaras na cara da gente, sem cerimônia, sem pedir licença, vão enchendo
nossas faces de máscaras, um a pós outra,
ÍCARO-Todo os dias as pessoas vão colocando
máscaras na cara da gente, vão enchendo
nossas faces, uma após outra uma após outra ao seu bel prazer, e nem se
incomodam em perguntar o quanto estamos incomodados com isso... incomodados com
isso... incomodados com isso...
ÍCARO*- (GRITANDO
ALUCINADO) Como loucos vamos ficando atordoados, perdidos em nossa psique, sem
entendermos o papel que realmente representamos na vida, como loucos.. Afogamos
nosso Eu nesta loucura com cheiro de álcool a 70%...
ICARO- Eu não sou louco.. Não sou louco...O que nos faz parecer loucos são
elas, . Elas, sempre elas... As máscaras que criamos para esconder todas as
nossas verdades, as nossas vergonhas, porém, elas também escondem o que temos
de melhor, de mais bonito, porque onde existe o belo está também o verdadeiro belo,
o ser.
ICARO*- Retirem suas máscaras senhores, e vejam o mundo de outra forma.. Todos
somos diferentes... Diferentes enquanto iguais, iguais nas diferenças...
OS DOIS- Iguais na intolerância com o próximo, iguais na ignorância e no medo de
aceitar os outros com suas diferenças, e iguais também quando cobramos que nos aceitem
enquanto não aceitamos as diferenças alheias... Retirem suas máscaras agora e
vamos viver em harmonia...
MULHER DE PRETO- E se pensam que sou louco... Observem... Loucos
somos, quando pensamos ser normais...
(DE UM
ROMPANTE ARANCA O VESTIDO E PRECEBE-SE QUE O ATOR ESTÁ NÚ).
EM
PROJEÇÃO
"A
loucura é apenas uma forma sinceramente subjetiva de se ver as coisas"
Retirem
suas máscaras...
BALCK
OUT
(Bibliografia)
Fragmentos
do poema Diário de um louco de Gogol.
Rosinaldo
Luna
Setembro
2012 .