22/01/2017

Insight Insano

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Insight Insano
@Rosinaldo Luna

(Em num canto um banco alto, branco, no outro canto uma máscara veneziana. Como que em mágica surge um ser quase translúcido. Percebe-se uma angustia e uma inquietude. Ele caminha de um lado a outro do palco freneticamente. Tiques e balbucios são ouvidos. Uma música desconcertante acompanha a ação. O personagem vê no canto a máscara. Pára a contemplá-la, aproxima-se, de início com um pouco de medo, observa, pega a máscara cuidadosamente, como que dali possa sair algo perigoso. Observa-a, experimenta-a. Torna a coloca-la no mesmo lugar. Música vem em crescendo e para abruptamente. ).
ICARO- (Um grito de loucura!) Ahhhhhhhhhhhhh!!!(PAUSA. DENTRO DO OLHO DA PLATÉIA) Meus ouvidos estão explodindo, minha boca está seca e...
OS DOIS- eu estou aqui, há dias, há meses, perdido, preso neste lugar que não é o que nele existe de verdade... Não é o que nele existe de verdade...
ICARO- Meu nome é Ícaro... Dizem que foi um cara que tinha asas e que morreu quando voava muito perto do sol porque as asas eram de cera... Deveria ser um louco...
ICARO*-... Meu nome é Ícaro... Dizem que foi um cara que tinha asas e que morreu quando voava muito perto do sol porque as asas eram de cera... Deveria ser um louco...
OS DOIS- Eu não... Jamais seria louco o suficiente para ir tão longe...
ICARO- Fora de cogitação, não sei nadar... não sei nadar... (Uma música vem em crescendo e cresce como que cavando lembranças, Os dois entram em zen. Como que dopados por seus medicamentos)
ICARO*- Desde que nasci que vivo assim preso entre paredes inexistentes, vendo rostos inexistentes... Como agora...
ICARO- Vejo rostos, vejo faces me olhando...
ICARO*- Vejo rostos, vejo faces me olhando...
ICARO- Sério... Não, não pensem que estou louco. Isto não é loucura. Isto não é loucura. Isto não é loucura. (GRITANDO) É a mais pura verdade, (SUPLICANTE) é a mais pura verdade, é a mais pura verdade... (DOÇE) a mais pura verdade... (Gargalhando) Até outro dia foi engraçado... (Música cresce. Como que confessando um grande segredo) Uma moça... A mesma moça, a mesma moça, a mesma moça... Aquela (Aponta para a máscara) Esteve aqui...
ICARO*- (DOÇE. APAIXONADO) Ela sempre está aqui. Me observa. Ela quer me ver louco... Ela não que em ver louco, Ela quer me ver louco....
ICARO- (FEROZ. COMO UM ANIMAL FERIDO) Ela sempre está aqui. Me observa. Ela quer me ver louco... Ela não que em ver louco, Ela quer me ver louco....
OS DOIS- Sei lá... (CONFUSOS) Às vezes meus pensamentos entram em desalinho, e não consigo pensar com clareza... Mais o fato é que ela sempre está aqui. As vezes penso em perguntar quem é ela... Mais me falta coragem. (COMO CONFESSANDO) Vai pensar que sou louco... Você não está acreditando?
ÍCARO- (MÚSICA)  Desde que nasci que estou aqui nesse lugar, sem paredes, sem chão, sem tetos... Um lugar onde vim parar sozinho ou me colocaram... ou me colocaram... ou me colocaram... Mais agora que quero sair....
ÍCARO*- (ANGUSTIADO) Vejo rostos... Muitos rostos... Eles me observam através das cortinas, e acredito que têm medo de mim kkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkk
ICARO- (ENVERGONHADO) Sinto medo deles também, eu confesso. Eu confesso...
ÍCARO*- Sinto medo deles também, eu confesso. Eu confesso... Tenho medo porque eles pensam que sou perigoso, mais como? Como eu sou perigoso?... Como que sou perigoso?... Como que sou...
OS DOIS- Porque pensam que sou perigoso se nem ao menos se dão ao trabalho de me conhecerem...
ÍCARO- Desde que nasci estou aqui, preso no 35° andar desse lugar que me angustia, que me separa de mim. Vejo de um lado minha alma, no outro minha face. Oculta. Misteriosa. Mais eu estou aqui... Eu estou aqui... Eu estou aqui... (Grita para alguém lá em baixo)
OS DOIS- Olá! Porque não aproveita e entra? Vem tomar um chá comigo...
ÍCARO- É o jornaleiro, sempre passa a essa hora, apressado, nunca para...  Olha de longe e de longe mesmo joga o jornal que nunca leio e que tem sempre a mesma data, eu  vejo as datas. Aliás adoro datas. Adoro... Ado... (Busca no ar objetos, observa encantado. Joga os para o alto, um a um como quem despreza folhas de papéis)
OS DOIS- (SUAVES) Na geladeira tenho leite com chocolate... Aceita um biscoitinho com chá... Somos civilizados... ___ Ou! Está uma delicia, docinho...
ÍCARO- Que merda...
ÍCARO*- Que merda...
OS DOIS_ Que merda... (DIVERTINDO-SE. RIEM COMO CRIANÇAS) Está doce, odeio açúcar, não posso tomar açúcar, minha taxa de glicose não permite.  Não podemos ser antipáticos à primeira visita. Aliás nunca devemos ser antipáticos... Sim senhor, obrigado senhor, muito agradecido senhor... Vá se lascar senhor. (CAEM NA GARGALHADO)
ICARO- (Sóbrio. Informativo) Isso queremos dizer na maioria das vezes mais... ÍCARO*- (Num grito) Você está louco!

OS DOIS- (SERENO) Na geladeira temos leite e chocolate... (NOUTRO TOM) Desde que nasci que vivo aqui... desde que nasci, me colocaram aqui, ou eu mesmo vim sozinho, eu vim sozinho... Desde que nasci.
ÍCARO- (VINDO DO FUNDO DO PALCO COMO UM PALESTRANTE) Às vezes penso que morri e que este lugar é lugar nenhum... mais como? Sei que quando morremos vamos pro céu... Ou pro inferno... Não... Não morri...
ÍCARO*- Acho a morte um espetáculo quase teatral... (ICARO VAI SE TRANSFORMANDO. VESTE VESTIDO PRETO, LONGO, CHAPÉU COM VÉU DE TULE PRETO. ESTÃO ELEGANGES SENHORAS DE PRETO AGORA) O cenário, o velório... Os Inimigos... Uma viúva chorando e verbalizando o quanto ele era bom, o quanto era companheiro. Eu não perderia isto por nada... (GRITAM DIVERTIDAMENTE) Eu prefiro morrer a não ir pro meu velório...
ICARO-- No dia do meu velório eu mesmo vou recepcionar cada expectador que vier me ver deitado no caixão. Cada convidado... Cada convidado. Vai ser muito divertido... Aliás estão todos convidados por mim a estarem presentes no meu velório... Vamos rir muito com o pranto da boa senhora. A viúva apaixonada... (Pega uma máscara negra... Veste. Em prantos contidos)
ÍCARO*- Sei que quando morremos vamos pro céu... Ou pro inferno... Não... Não morri...
MULHER DE PRETO- Ou meu amor... Não vai embora, veja a vida como chora como é triste essa canção... Vou senti tanta saudade... Não.. Não ... Não... Como vou viver. Acabou a luz da minha vida, o ar que eu respiro... E nossos filhos meu amado?... Quem vai cuidar deles?... E como serão minhas noites sem você ao meu lado?...(Cai em prantos ... soluçando...Arranca violentamente a máscara)
ICARO*- (CRUEL) No íntimo está remoendo as grosserias, as traições e pensando tudo ao contrário...
MULHER DE PRETO- (RECOMPONDO-SE) Vai desgraçado, vai que eu agora vou me esbaldar... Vou sair todas as noites e conhecer todos os homens que puder...
ICARO*- E os filhos já se digladiando sobre os bens e a partilha da herança... As vezes penso que são tão verdadeiros... Mais no fundo são lobos que parecerem cordeirinhos... 
MULHER DE PRETO- Desde que eu nasci que eu vivo aqui... Estou lembrando...
OS DOIS- Era meia-noite e o Sol brilhava no horizonte
Um negro careca penteava sua linda cabeleira loira com um pente sem dentes
Pertinho dali, a 100 mil milhas de distância
Enquanto um cego analfabeto lia um jornal
Sem letras, de ponta cabeça

Um surdo-mudo sentado em pé em uma pedra de madeira feita de barro dizia:
(Surdo-mudo) __ A vida é como uma canoa, que navega de cabeça pra baixo nas ondas de um poço sem água.

Enquanto isso, na sua direita ao lado esquerdo um jacaré voava nadando devagar em alta velocidade

As vacas pulavam de galho em galho a procura de seus ninhos em rítmo de Yê-Yê-Yê
Os passarinhos pastavam o capim que nascia no asfalto.
No outro lado da cidade, em um bosque sem árvores, um elefante descansava
Aliviadamente apavorado, debaixo da sombra de um couve sem folha
Os animais observavam, de olhos fechados, uma mulher gritando baixo em voz alta:

MULHER DE PRETO- Prefiro me matar, do que perder a vida! (PAUSA)

ICARO*- Os quatro profetas, eram três: Moisés e José... Eram só três...
O mundo era uma bola quadrada, que girava em torno da lua.
A lua, me disseram, é feita de massa de pizza, por um padeiro inglês em uma padaria de subúrbio... (QUASE SUSSURRANDO) E as marcas que vemos daqui são narizes... Por isso não vemos nossos narizes... Você sabe onde foi parar o seu nariz? Alguém aí viu o seu próprio nariz?... (NUM GRITO) Eles estão lá, na lua... Na lua... Meu nariz está na lua... Lá na lua... Vocês sabiam que foi o nariz que instaurou a II Guerra Mundial?... Foi por culpa dele, do nariz... do nariz...Foi por ele que Hitler pretendia invadir a lua... Dizem que Hitler pretendia invadir a lua, ele e um batalhão de mascarados para resgatar os narizes dos judeuses... Hitler quer ir pra lua para fazer um holocausto nasal...

OS DOIS- ( Deseperados ) Nãooooooooooooooooooooo... Não deixem Hitler invadir a lua.. Santo Deus, vai achatar nossos narizes... Va achatar nossos narizes... Vai achatar... (Noutro tom) Existe também uma segunda teoria que não vemos nossos narizes porque eles estão sempre fora das faces, fuçando a vida alheia... Mais você vai me dizer que..-.

ICARO*- Não!! Eu não costumo me meter na vida de ninguém...

ÍCARO- (RI DEBOCHADAMENTE)... Todos nós adoramos observar a vida alheia... Mais isto não é loucura...

ICARO*- Mentiraaa... Aliás, mentir é esporte predileto do ser humano... Todos os homens mentem... Já nascemos com um chip de milhares de terabite de mentiras prontas...
ICARO- Ou vão me dizer que estão achando esse texto lindo, ou querem me convencer que estão adorando minha performance...
ÍCARO*- Ou vão me dizer que estão achando esse texto lindo, ou querem me convencer que estão adorando minha performance...
ICARO- Talvez até estejam gostando de ver meu corpinho nada mal, tudo de bom... Talvez esteja adorando ver meu corpinho... mais como. Como... Como... Você pode até ver meu corpo mais nunca a minha alma! Ela não deixa que você veja minha alma... (PEDALANDO A BICICLETA). A mentira nos permite flutuar serenamente na zona de conforto, como o vórtice de um tornado que suavemente vai cruzando a testa do careca motorista do taxi cor de abobora. E como um vestido de festa esconde as marcas de catapora nas pernas da moça. Como a calça que esconde a genitália ameaçadora do rapaz jovem que fica ereto até com o desenho do bob Sponja ...
ICARO*- Eu não sou louco.. Não sou louco...O que nos faz parecer loucos são elas, sempre elas... Essas vestimentas que criamos para esconder todas as nossas verdades, as nossas vergonhas, porém, elas também escondem o que temos de melhor, de mais bonito, porque onde existe o belo está também o verdadeiro belo, o ser.

ÍCARO- Na geladeira temos leite com chocolate... Porque não sobe e vem tomar um café conosco, esta quentinho... uma delicia... Ele sempre foge feito uma tartaruga em corrida da São Silvestre...

ICARO*- Todos os dias,,, todos os dias,,, todos os dias,,, Você não está acreditando? Você não esta acreditando? Eu não estou mentindo, aliás eu odeio mentiras... Minha razão não me permite mentir...

ICARO- Na geladeira temos leite e chocolate... Eu lembro direitinho... Estive lá. Lembro a data. 31/12/de um ano qualquer... Iemanjá dançava funk na beira do rio que na realidade era de leite e mel... as meninas engravidavam pequenos cachorrinhos de pelúcia rosa e os pais comiam vísceras de bois criados em imensos aquários de água salgada retirada de um deserto de areia marciano... Os meninos empinavam bonecas de salto alto enquanto trocavam batons e brinquinhos entre risos inocentes e sonhavam com seus vestido e festas de debutantes... Obedientemente um padre observava tudo sobriamente vestindo seu nudes desavergonhado e se masturbava assistindo um vídeo sobre o mani craft... Obedientemente protegido por uma imensa máscara de gás carbônico estéril... (DANÇAM)

MULHER DE PRETO- Um dia decidiram que duas pessoas diferentes não se permite viver igualmente... Ele era um rapaz muito bom, educado, trabalhador. Dor... Ele também era um rapaz muito bom, educado, trabalhador. Mas ensinaram que a ele tudo... Ele no entanto foi ensinado que a ele nada... Nada... E decidiu que poderia se divertir ATROPELANDO sua bicicleta porque era mais barata que o carro que estonteantemente cruzava o oceano sobre as nuvens do pó que o consumia, e que papai escondia porque não pode ser... não pode ser... Minha cabeça está em confusão, esse menino é uma vítima social de alto padrão...(CONSTATA A ÚLTIMA FRASE ME PÂNICO. CONGELA. ATERRADOR)
ICARO*-(GRITANDO) Não!.. Porque você fez isso com ele? Ele só queria trabalhar... E de repente veio aquele monstro cor de noite e o atropelou com suas quatro rodas e uma boca enorme de 400 cavalos e o arremessou para fora do acostamento... jogou ele para longe de sua família, para distante da ciclovia que ligava sua mente a realidade...
ICARO- Ela estava nua... ela estava nua... Ela estava nua expondo todas as vergonhas... Vistam a realidade, porque ela está nua e crua... Nua e crua... nua e crua... Porque fazem isto as vítimas inocentes da ciclovia?
OS DOIS- Desde que eu nasci, lembro direitinho o dia e a hora que eu nasci... Foi no mesmo dia do meu aniversário de 18 anos... Foi no mesmo dia... Mesmo dia... Foi no mesmo dia que começam a modelar minha máscara... (UMA EUFORIA VAI CRESCENDO ATÉ ATINGIR O ÁPICE. PARAM. OLHAR PERDIDO)
ICARO*- Todo os dias as pessoas vão colocando máscaras na cara da gente, sem cerimônia, sem pedir licença, vão enchendo nossas faces de máscaras, um a pós outra,
ÍCARO-Todo os dias as pessoas vão colocando máscaras na cara da gente,  vão enchendo nossas faces, uma após outra uma após outra ao seu bel prazer, e nem se incomodam em perguntar o quanto estamos incomodados com isso... incomodados com isso... incomodados com isso...
ÍCARO*- (GRITANDO ALUCINADO) Como loucos vamos ficando atordoados, perdidos em nossa psique, sem entendermos o papel que realmente representamos na vida, como loucos.. Afogamos nosso Eu nesta loucura com cheiro de álcool a 70%...

ICARO- Eu não sou louco.. Não sou louco...O que nos faz parecer loucos são elas, . Elas, sempre elas... As máscaras que criamos para esconder todas as nossas verdades, as nossas vergonhas, porém, elas também escondem o que temos de melhor, de mais bonito, porque onde existe o belo está também o verdadeiro belo, o ser.

ICARO*- Retirem suas máscaras senhores, e vejam o mundo de outra forma.. Todos somos diferentes... Diferentes enquanto iguais, iguais nas diferenças...

OS DOIS- Iguais na intolerância com o próximo, iguais na ignorância e no medo de aceitar os outros com suas diferenças, e iguais também quando cobramos que nos aceitem enquanto não aceitamos as diferenças alheias... Retirem suas máscaras agora e vamos viver em harmonia...

MULHER DE PRETO- E se pensam que sou louco... Observem... Loucos somos, quando pensamos ser normais...

(DE UM ROMPANTE ARANCA O VESTIDO E PRECEBE-SE QUE O ATOR ESTÁ NÚ).
EM PROJEÇÃO
"A loucura é apenas uma forma sinceramente subjetiva de se ver as coisas"
Retirem suas máscaras...
BALCK OUT


(Bibliografia)
Fragmentos do poema Diário de um louco de Gogol.
Rosinaldo Luna
Setembro 2012 .

Contatos: luna-natal@hotmail.com
fones: (84)99182 9982
           (84)988980892



Texto disponível para montagem mediante autorização do autor.

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