EU TE PERDOO
@RosinaldoLuna
(PALCO ESCURO. UMA
MUSICA CRESCE ENQUANTO A LUZ VAI ABRINDO EM FIO SOBRE UM VULTO SENTADO EM UMA
CADERA DE RODAS).
___ Não quero mais tomar essa porra. Não me obrigue a tomar.
Eu não preciso disso... Apenas me ouça.
(Grita e se debate) Porque você me tortura dessa maneira? (Black out. Uma musica suave inunda o palco
como o silencio. Uma paz vai tomando conta da cena enquanto a luz, em suave
igualdade vai crescendo até a Luz geral banhar tudo. O homem na cadeira de
rodas nina uma criança). Txu txu txu.... Quem é o baby do papai? Quem é o
rapazinho do papai? Hum? Você quer brincar? Kkkk quer? Hummm! Vamos jogar bola?
(Como se a criança respondesse) Humm
então é isso? Você vai ser um grande jogador de futebol? É?... Não? Ah já sei!
Vai ser um médico... E vai cuidar do papai quando estiver velhinho não é?! Tá
bom! Tá bom! kkk (Luz geral vai caindo
em resistência e fica apenas o foco sobre a cadeira de rodas) Eduardo?
Eduardo? Voçê está ai? Venha cá ajudar-me! Traga-me um copo d’água, estou com
sede!... Eduardo? (Parece ouvir um
resposta) Como é? O que você está fazendo? Estudando? Ah! Tudo bem então. (Parece perceber alguém na plateia. Esse
vai ser seu interlocutor. Sempre que fala pergunta a opinião dele) Nossa!
Quase tomei um susto kkkk você está ai? Faz tempo que chegou? (Espera a resposta do espectador. Se este
não responder insistir) kkkk então devo estar maluco porque só agora o
percebí. O Eduardo é meu filho. Adolescência é fogo viu! Nunca está disponível,
sempre ocupado, sempre as voltas com a escola. É um garoto muito inteligente, estudioso,
mas como todo adolescente dá um certo trabalho. Coisas de adolescente mesmo.
Nada de mais. Não sei, hoje acordei assim, me sentindo um pouco preso, como se
não pudesse me desligar das lembranças, ou como se as lembranças fossem fatos
do presente momento. Não sei. Só sei que me sinto como se estivesse acordando. (Ao espectador) Você já passou por essa
experiência? Já teve essa sensação? Kkk de repente me pego aqui, com essa
sensação de que algo aconteceu, que estou vivendo algo que já vivi, falando com
pessoas desconhecidas como se já a conhecesse, como se fossemos íntimos amigos.
Talvez um parente de longa data. O meu filho Eduardo como falei é um cara
excepcional, inteligente, porém ultimamente se envolveu com uns amigos meio errados.
Digo errados porque os caras não querem nada com nada, só festa, bebem muito e
desconfio que usam alguma coisa ilícita. Tudo bem, já fui adolescente, jovem e
fiz muitas besteiras, porém, me preocupo como pai. Você sabe como é isso né?
Vivi minha adolescência nos anos 80’as, plena abertura politica. O país
passando por uma fusão de poderes e principalmente de mudança no regime
politico. Saíamos de uma ditadura e passávamos a uma democracia. Mas muita
coisa ainda era proibida. Porém isso não impedia de viver. E eu vivi, bebia,
fumava um baseado aqui acolá, mesmo morrendo de medo de ser pego, mas era isso
que me excitava e incitava. Claro, fazia porque tinha o grupo de amigos que
também fazia e eu como todo adolescente queria ser aceito. Estar no grupo. A
tal síndrome do pertencer! Porém hoje, como pai, vejo meu filho entrar e sair,
as vezes nem diz bom dia. É muita liberdade. Liberdade em excesso penso as
vezes. Voce já teve essa sensação, de que temos muita liberdade? Que as coisas
precisam dar um certo freio? (Ri)
acho que virei careta. Mas como dizia, o meu medo é do Eduardo se envolver com
coisas ilegais. Os amigos dele são meio barra pesada eu acho. O Eduardo é um
menino bom, as vezes até parece ingênuo, mas sei que no fundo é um cara legal.
No dia que ele foi preso, sim, foi preso, porculpa de um amigo. Ele estava com
alguns cartões de créditos na mochila. Tenho certeza que foi o amigo dele quem
colocou aquilo lá. Mas o fato é que foram presos, Claro que na hora fiquei puto
da vida minha vontade foi de falar:
“Eduardo seu filho da puta... Quer me fuder? Que porra você foi fazer da sua
vida?” Mas pensando bem a culpa foi minha. Essa coisa de trabalhar demais, de
estar sempre correndo aliado a idade dele o fez ficar inseguro. Mas resolvido,
vendi meu carro, paguei a fiança... Ele reclamou porque ficou sem carro por uns
tempos, mas depois conseguiu um emprestado com os amigos. Ele é muito
articulado. Diferente do Carlos. Esse é mais introvertido, mais tímido. Me deu
muita dor de cabeça, começou a ficar meio estranho. Se trancando em conchas e
não queria se abrir. Sei que é um rapaz excelente, mas tem dificuldade de se
relacionar, nunca namorou, vive uma vida que para mim é um pouco solitária mas
ele diz que está melhor que eu que não consigo me manter num relacionamento por
muito tempo. Mas o fato é que estou aqui agora conversando com o amigo e nem
seu nome eu perguntei ainda. Você tem filhos? É casado XXXX? Tem mulher? Mulheres?
Eu tenho uma menina. Uma só. Confesso que preferia um varão, mas veio uma
menina né?! Depois que separei da mãe dela se afastou de mim, aparece aqui de
vez em quando, mas essa não me dá dor de cabeça. É independente, trabalha, e
vive ocupada. Beth é o nome dela. Como a Bete Balanço, a música do Cazuza,
saca? Uma menina de ouro. Mas muito apegada a mãe. O Carlinhos que outro dia me
deu um susto danado. Esteve doente, gastamos para caramba. Dizem que a
depressão é o mal do século, Se é eu não sei, mas o que eu sei que é uma coisa
devastadora. O rapaz ficou muito mal. Já não comia, não dormia, tinha mania de
perseguição. Foi uma batalha mas conseguimos tratar. Ainda está um pouco
debilitado, mas já voltou a trabalhar. Está agora morando com um amigo. Eu até
gosto do rapaz mas gostaria que ele estivesse morando aqui comigo. Preciso de
alguém para cuidar de mim, sabe? Depois do acidente... (Pára como a lembrar de algo terrível) Nossa! Que acidente? Não
estou lembrando como foi esse acidente, mas sei que houve um acidente. (As memórias vem em flashes) Sim! Estou
indo com uma pessoa, de carro, chove muito... (Luz vai caindo em resistência. Iluminando apenas a parte superior do
homem. Como uma fotografia 3x4) A minha vista turva e o tempo fechado...
muita água... não vejo a estrada... (Como
que falando a alguém do lado) Você quer se acalmar? Está tudo bem! Claro
que sim... pronto. Agora a culpa é minha?... Porque você não ficou? ... Mas foi
você quem criou todo aquele clima... Ora Maristela! Ciuminhos a essa altura do
campeonato não dá... Pára de chilique... para... para... (Estático) Foi sim um acidente. De repente o carro caiu em um
buraco, ou bateu em alguma coisa. Lembro de ver a Maristela se debatendo, a
água inundando tudo e pessoas correndo e gritando... pediam socorro, diziam
para manter a calma... Acordei no hospital e não vi mais a Maristela ao meu
lado. Fique sabendo depois que ela não tinha resistido. Minhas pernas não se
mexiam mais, eu não sentia meu corpo de cintura para baixo... (Começa a gritar) Dr... Dr... Socorro?
O que está acontecendo comigo? Onde está a minha esposa?! Maristela!
Maristela!... Como assim?! Ela não resistiu? Não pode! Dr. Quer dizer então que
estou viúvo? Ou sou um viúvo? E o Sr. Fica ai me olhando e não me diz nada?
Quando que o senhor iria dizer alguma coisa?... Por favor Dr. Eu vou voltar a
andar não vou? Maristela eu vou ficar paraplégico Maristela?!Eu não posso ficar
sem andar Dr. Não quero ficar dependendo de outras pessoas. Não posso ficar
aleijado... Dr. Dr. Porque ninguém nesta porra de hospital não me diz nada? Que
merda, onde estão meus filhos? Onde estão meus filhos seus merdas?... (Ao espectador) E você sabia disso? Me diga rapaz. Me
fale... Você também sabia disso? (Caindo
em si) Como você iria saber não é mesmo? Desculpa não era a minha intenção!... O fato é que no
hospital eu fiquei alguns dias. Preocupado porque não sabia noticias das
crianças... Mas como?! Eles são filhos adoráveis. Eu sempre foi um pai
presente. Sempre desdobrei-me para suprir as necessidades. Trabalhei feito um
louco para dar tudo que eles precisavam.
(Fala com espectador como se este fora o médico) Dr. Quer dizer que estou
de alta? Ah! O senhor já ligou para os meus filhos? Claro que sim, eles não
vieram me visitar porque devem estar muito ocupados. Afinal todos eles tem uma
vida bastante corrida. ... O Eduardo está preso, eu sei. Mas os outros pode
ligar... (Luz caindo em resistência. Permanece o foco sobre o personagem)
Estou lembrando.. Os primeiros dias após minha alta foram bem difíceis...
Queria sair mas não podia... sem contar que os medicamentos me deixavam
irritado... Não minha filha, eu não estou irritado... Calma Maristela... Como
assim? Voce não é a Maristela? Quem é você então? Minha filha? Kkkkkk Ah meu
Deus. Perdão! Estou ficando louco. Além de aleijado, louco! Quero ir no
banheiro... (A uma espectadora como se
fosse a filha) Beth quem é esse rapaz? É o seu novo namorado? Ele sempre
está aqui. Eu vou logo dizendo, não vou muito com a cara dele não. Não sei o
que estou fazendo aqui neste apartamento. Quero ir para casa... É mesmo? E sua
mãe?... (Uma tristeza vai tomando conta
do semblante) Sua mãe me abandonou. Eu sei. Ela foi embora com o Antonio
Fagundes, Ela sempre disse que amava o Antônio Fagundes. Você está namorando
demais... Já fez sua pesquisa do colegio. Amanhã tem prova de história viu? (Vai ficando cada vez mais sonolento. Como
que dopado) Hoje estou andando muito ruim... Não quero tomar remédio... Já
amanheceu. Eduardo?! Você está aí? Quero ir para casa... Não quero tomar esse
remédio, ele me deixa assim, mole. Por favor, eu não quero tomar isto... Celina
você voltou? Queria ter tempo para pedir perdão... Veja nossos filhos. Estão
todos crescidos!... Cuidei sempre deles, sempre. Nunca deixei faltar nada...
Agora eles estão cuidando de mim... Não é lindo? Tomam conta de mim... Me dão
remédios para dormir! Eu entendo... Está me dando um sono Fagundes... Não, não
quero tomar esse remédio Eduardo... Não.. Por favor eu não quero esse remédio
quero apenas a presença de vocês... Meus olhos estão ficando pesados... Meus
filhos, não me entorpeçam o coração. Antes me deixem partir porque me dói ser
um fardo para vocês... Já disse. Não quero mais tomar essa porra. Não me
obrigue a tomar. Eu não preciso disso... Apenas me ouça...Eu não quero ir
agora... Eu vou me comportar eu prometo... Não. Eu posso ir sozinho ao banheiro... Carlos
me leve ali no Alecrim... Eu vou me comportar. Não. Não me obriguem a tomar
isso novamente. Não grite assim comigo... Eu vou ficar quieto, eu juro. Não vou
lhe dar mais trabalho... Prometo viu? Alguém poderia me levar para casa? É
muito triste ficar aqui cercado de gente estranha. Porque você me tortura dessa
maneira?... Meus filhos vocês vieram me buscar? Eu... Eu amo vocês! ( A luz fecha totalmente sobre o homem e a
cadeira este vai ficando de pé como que voando ele sai de cena e fica apenas a
cadeira sob a luz que vai sendo coberta por uma poeira fininha) (OFF) De repente tudo ficou tão leve.
Não serei mais fardo... Eu os perdoo! Carlos você está feliz? Beth?! Eduardo
quando volta dessa viagem? Cuidado você vai cair da bicicleta... Não vá para o
fundo, o mar está puxando muito hoje... txu txu txu... quem são as criancinhas que
o papai ama?!
(Luz fechando até a
escuridão total)
FIM
Texto disponível para montagem mediante autorização do autor.
Contato: rosinaldoluna1@hotmail.com
Rosinaldo Luna
Parnamirim/Rn
Abril/2019