A história do nascimento de Jesus contada pelo viés do cotidiano árduo do artista de teatro. Este é o mote para a dramaturgia do espetáculo ‘A Estrada: ou o Milagre da Fé’, uma das duas peças que será encenada na programação do Natal em Natal, no entorno da Árvore de Mirassol (Zona Sul) e do Ginásio Nélio Dias (Zona Norte).
Sem a caracterização de um auto natalino, o espetáculo traz menos coreografia e mais teatralidade. O elenco é mais enxuto e, apesar dos personagens bíblicos travestidos da gente comum do dia-a-dia, a fé transmitida pela peça está menos relacionada à religião e mais atrelada à batalha cotidiana do artista e ao sentimento (fé) de que a arte pode redimir pessoas.
A sinopse parte de uma trupe de atores mambembe chamada Atores do Sol, que chega em Natal no mês de dezembro. Eles trazem um repertório variado de peças de teatro. Sendo o período natalino e com a cidade chamada Natal, escolhem contar a história do nascimento de Cristo. E nesse processo, as situações básicas do acontecimento bíblico são representadas.
Neste caso não há mais a mistura do nascimento de Cristo com a história de Natal, comumente vista nos últimos autos natalinos. A história do Menino Jesus, na verdade, serve de sustentação para outra mensagem. Na trupe há atores cansados da vida dura do teatro e desejam uma vida mais convencional e rentável. Então, surge o milagre da fé na arte: de que a vida de artista pode valer a pena.
“Essa discussão simboliza uma discussão cotidiana do artista: continuar fazendo arte, ou seja a metáfora de estar na estrada, ou ter uma profissão mais convencional, tipo um bancário, sei lá. E esse dilema envolve a trama e traz outras problemáticas do cotidiano teatral. Toda pessoa de teatro vai se reconhecer na peça”, acredita a dramaturga Clotilde Tavares.
Para Clotilde, os questionamentos da trupe são intrínsecos ao dia-a-dia do fazer teatral. E não só do teatro profissional. “Uma hora um personagem diz: ‘Ah, mas queria que fosse assim; eu fico bem assim’. Aí outro diz: ‘Não é o que é bom pra você, mas o que é bom para o espetáculo’. E esses embates existem até em grupos de teatro escolares”, acrescenta.
Personagens e flashes mobs
A trupe que chega a Natal é familiar. O pai Teotônio herdou do pai a tradição do teatro mambembe. Fruto do casamento com Albina veio Marcelo, Manolo, Lúcio e Jane. A criança Elias foi adotada quando encontrada na rua, com fome. E ela é uma criança especial. Algo nele não é convencional. Elias fala coisas que ninguém entende, como se pela boca de um anjo ou profeta. Tem ainda Eulália, de 30 anos, que entrou na trupe fugida de um casamento tradicional infeliz e da severidade do pai. Essa é a trupe que viaja numa kombi.
Tem ainda o carpinteiro Benício, que ajuda a montar o cenário da apresentação da trupe em Natal. Durante seu trabalho, no meio da rua, Benício conhece Maria Déa: uma adolescente grávida, expulsa de casa por que engravidou. Benício e Maria Déa se juntam à trupe. Eles representariam José, o carpinteiro, e Maria, grávida de Jesus. Outros personagens bíblicos também entrarão em cena a partir de flash mobs (aglomeração instantânea de pessoas para determinada ação inusitada previamente combinada).
“Os flash mobs são apostas nossas para melhor envolvimento do público”. O diretor Henrique Fontes adiantou ainda que partiu da ideia da reprodução de quadros renascentistas. Ou seja: imagens estáticas que ganham movimento na peça. Mas apenas uma tem fala, que parte do menino (profeta) Elias. Nas outras cenas, personagens “se desmontam” e viram outros personagens em poucos movimentos. A inspiração para essa montagem cênica, conta Henrique, surgiu de uma exposição sobre Rembrandt, na Holanda.
“Lá eles reproduziram figuras do quadro Cavaleiro Noturno. Criaram uma situação, estourou o alarme de um shopping, corre um ladrão com figurino do século 18, depois aparecem outras figuras desse texto, entram galinhas. E no fim eles meio que dão vida ao quadro de Rembrandt. A última cena reproduz a imagem estática do quadro”, relata Henrique Fontes.
Apresentação do espetáculo está agendada para 12, 13 e 14 de dezembro, na Árvore de Mirassol, e 19, 20 e 21, no entorno do Ginásio Nélio Dias
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