Diretoras já são poucas. Diretoras de filmes terror são ainda mais
raras. E irmãs gêmeas diretoras de filme de terror? Em uma cena onde o
machismo ainda é muito presente, as diretoras e roteiristas canadenses
Jen e Sylvia Soska entraram com tudo. O longa de estréia
Dead Hooker in a Trunk fez
sucesso na cena de terror independente e abriu as portas para que as
irmãs trouxessem uma visão única e moderna com sua segunda fita,
American Mary.
Nesta entrevista à colaboradora Luciana dos Anjos, Jen e Sylvia
discutem sua abordagem para produções, detalham suas influências e dão
algumas dicas para cineastas iniciantes.
Quais diretores tem a maior influência sobre vocês, considerando o estilo e aspectos estéticos da direção?
Sylvia: Nós não estaríamos fazendo filmes se não
fossemos extremamente influenciadas por Robert Rodriguez. Lars Von Trier
está entre meus diretores favoritos, eu adoro a abordagem artística e
macabra de sua narração. Mas existem outros cineastas cujo trabalho me
influenciou, como Cronenberg, Lynch, Narron, Roth, Baker, Miike, Craven,
Argento, Eisener – provavelmente está faltando alguns grandes. Gosto de
diretores que fazem belos filmes com uma filosofia.
Jen: Para
Dead Hooker In a Trunk foi muito
do Robert Rodriguez. Ele é a razão pela qual nós – e muitas outras
pessoas – decidiram pegar uma câmera a principio. O “Ten Minutes Film
School” e o livro “Rebel Without a Crew” inspiraram uma legião de
cineastas. Joss Whedon é uma grande inspiração pra mim também. Tanto a
narrativa quanto os personagens são cuidadosamente pensados e
executados.
Vocês tiveram aulas de cinema e produção audiovisual? Como foi no começo?
S: Não. A gente atua desde os sete anos de idade e,
apesar de nunca termos construído uma carreira como atrizes, o processo
sempre nos interessou. Quando estávamos no set, a gente falava com a
equipe e aprendíamos como eles acertavam tudo para filmar coisas
diferentes. Somos muito autodidatas. Nós fizemos uma faculdade de cinema
que era só uma fábrica de diplomas para quem queria trabalhar na
indústria cinematográfica – mensalidades altas e nenhum ensino real.
“Costumo dizer que não sabíamos nada quando começamos a filmar, mas na verdade, nós sabíamos menos que nada.” Fizemos um longa-metragem,
Dead Hooker In a Trunk,
sem nenhuma experiência real em sets de filmagens, mas bem informadas
sobre a arte do cinema, a tecnologia por trás deles e também tivemos a
experiência de atuar, que é um recurso inestimável para um diretor
trabalhando com atores. Costumo dizer que não sabíamos nada quando
fizemos o filme, mas na verdade, nós sabíamos menos que nada. Em
Mary,
aprendi mais uma vez que não sabemos nada. A indústria do cinema exige
que você seja um eterno aprendiz e, se você tiver sorte, você não vai
saber nada durante uma produção. Pelo menos não é menos que nada.
J: Nós somos muito autodidatas. Participamos de uma
“escola de cinema” (e eu uso o termo desta forma vaga) que nos ensinou
nada. Não poderia falar com mais firmeza. Por favor, não vá para uma
escola de cinema. Guarde o seu dinheiro, compre uma câmera, um bom 5D e
vá gravar um filme. Você vai aprender infinitamente mais fazendo isso,
você pode literalmente perguntar ao Google qualquer questão e assistir
um passo a passo no Youtube. Você precisa ter motivação se tiver
esperança de fazer algo nesta indústria. E no fim, você terá o seu
próprio vídeo e poderá vendê-lo. E fazer um longa-metragem disso. Curtas
são legais, mas infelizmente não há dinheiro neles.
No caso dos irmãos Coen, Joel geralmente dirige e Ethan costuma produzir. Vocês fazem tudo juntas ou dividem as tarefas?
S: Eu acho que a situação única de sermos gêmeas nos
divide em metades que torna nosso processo diferente dos outros. Jen é o
‘como’ e eu sou o ‘porquê’. Ela é muito detalhista, brilhante com
próteses e maquiagem, ela garante que o filme saia da forma que pensamos
a princípio. Eu mergulho no mundo que estamos criando, tornando mais
real do que a realidade, para que eu possa focar em trazer nuances e
destaques ao tema geral ou uma micro-expressão que vende um diálogo
inteiro. Eu não poderia fazer um filme sem ela.
J: Nós dividimos e conquistamos. Eu sou tão sortuda
de ter Sylv. Ela é uma artista em qualquer definição. Ela é tão
brilhante e criativa e sempre me desafia a ser melhor. Ela não é só
minha melhor amiga, mas a minha colaboradora pra vida. Nós escrevemos
juntas revezando e trocando idéias, personagens, conceitos e linhas de
história, juntamente com nossos cenários e técnicas. Por mais diferentes
que somos, juntas somos uma só. No momento em que chegarmos na etapa
seguinte, já discutimos tudo em cada detalhe, cada resposta que tínhamos
entre nós já foi respondida e estamos prontas para trabalhar.
Há um monte de filme de terror ruins saindo todo ano, certo? Que direção vocês acham que o gênero deve tomar?
S: O gênero de horror sempre tem esse problema. O
que faz um filme ser bom? Bem, o fato de fazer dinheiro e levar um monte
de gente ao cinema é o bastante para um remake de merda ser chamado de
“bom”. Enquanto uma fita brilhante de terror independente não vai ter um
retorno decente nas bilheterias. Os fãs têm o poder de mudar isso. É
por isso que eu não vou pagar para ver uma refilmagem, não vou colocar
dinheiro no problema. Como o gênero gera dinheiro e tem uma base leal de
fãs, executivos gananciosos que não são fãs de horror criam esses
filmes de terror horríveis – você sempre consegue notar se uma película
foi feita por alguém que ama o gênero ou não.
J: O pior tipo de horror parece estar saindo da
América do Norte, onde estamos vendo um mar de remakes e sequências.
Mesmo o material “novo” que sai segue esta linha, com a fórmula
previsível onde você consegue adivinhar facilmente quem vai morrer e o
que vai acontecer no final.
“O horror deve estar nas mãos de pessoas que amam, que entendem.”
O horror deve estar nas mãos de pessoas que amam, que entendem. Se você
é um membro da plateia, você pode prever como a audiência vai reagir.
Ninguém se propõe a fazer um filme ruim. Só que fica confuso, muitas
pessoas tem algo a dizer ou tentam fazer alguma coisa para agradar a
todos e acaba se tornando um produto que ninguém vai gostar. Eu gostaria
de ver foco em algo original, um terror de alto nível.
Como surgiu a ideia para American Mary?
S: Nós tropeçamos em uma pegadinha de primeiro de
abril na internet, desconhecida para gente na época, que contava a
história de dois irmãos gêmeos idênticos que trocaram membros. Um acabou
com três braços, o outro com um dedo alongado. Isso não me perturbou
tanto quanto a carta que explicava que somente um gêmeo iria entender o
porquê eles fizeram isso. Isso me assustou pra caralho, mas minha mãe
nos ensinou que se algo te assusta é por falta de informação, então
procure se informar e você não ficará mais assustado. Meu medo virou
fascínio e admiração. Comecei mal informada e com medo e me apaixonei
por esta cultura. Eu queria compartilhar essa experiência com os outros
de alguma forma.
J: O filme é mais uma analogia para os nossos
próprios empreendimentos na indústria cinematográfica. Nós começamos
como modelo e atriz e como você pode imaginar, surgiram personagens
desagradáveis. Eu ouvi as histórias e pensei que já tinha visto de tudo.
Então, quando nós fizemos
Dead Hooker In a Trunk, vimos um
lado feio nesta indústria onde por mais que lutemos para sermos vistas
como igual aos homens, o sexo e a idade tornou-se objeto de
discriminação para muitos produtores e executivos. Descobrimos que
certas pessoas que você nutre respeito e mantém um grande apreço,
muitas vezes são os verdadeiros monstros. Os pirralhos indies e da
comunidade de horror que podem parecer um pouco diferentes, são na
verdade as pessoas mais doces, generosas e honestas que você vai
encontrar. Isso é, em grande parte, onde nosso tema de “aparência é
tudo” veio.
American Mary parece ter um tom pessoal, mais pesado e mais específico do que o filme de estréia, Dead Hooker In a Trunk. Me pergunto como será o próximo. Tem algum filme para sair?
S: Eu acho que nunca mais vou fazer um filme assim
tão pessoal. Fazer este filme foi uma das experiências mais devastadoras
da minha vida, apesar de ter sido também extremamente gratificante.
Existiu muita escuridão em nossas vidas naquele momento e o filme é como
uma foto desta escuridão, uma foto bem honesta. O próximo longa é
completamente diferente, aborda alguns problemas reais, mas para
contrabalançar isso, é também um dos roteiros mais engraçados que eu
escrevi.
J: Há vários. Eu realmente espero que
Bob
seja o próximo, mas nunca se sabe. Estamos em um ótimo lugar agora e tem
um monte de oportunidades. Não importa o que fazemos, nós gostamos de
manter as pessoas curiosas. O previsível é chato.
Vocês vão participar da sequência de ABCs of Death. Vocês podem antecipar alguma coisa sobre esse projeto?
S: Sim, vai ser foda e você vai ver muito da equipe de
American Mary nele. Eu não quero fazer nada sem essas pessoas.
J: Eu estou muito honrada em fazer parte do projeto.
A seleção de talentos do ABCs of Death 2 é fenomenal. Eu gostaria de
poder falar mais sobre o que vamos fazer, mas ainda não posso. É algo
que tenho pensado muito a respeito.
Qual subgênero de terror vocês gostam mais? Cada uma de vocês pode citar diretores e filmes favoritos?
S: Eu amo horror arthouse. Filmes que têm um
significado mais profundo, que faz perguntas ao invés de lhe dizer o que
pensar. Eu amo
Anticristo, de Lars Von Trier, é simplesmente magnífico. Também
Ondas do Destino,
Dançando no Escuro e
Dogville.
J: Eu amo musicais de terror. Eu acho simplesmente fantástico. Meu filme favorito nessa categoria teria de ser
Fantasma do Paraíso.
Meu diretor favorito de horror é David Cronenberg. Seus filmes fogem de
definição, eles são sempre tão originais e únicos. Pode ser difícil até
mesmo defini-los como terror, já que têm tantos temas diferentes. Para
mim,
Gêmeos – Mórbida Semelhança é um drama.
Algum conselho para cineastas de primeira viagem que estão tentando fazer com que suas produções se tornem realidade?
S: Aprenda o máximo que puder. O livro “Rebel
Without a Crew” é um excelente recurso. Assista entrevistas de seus
cineastas favoritos e aprenda como eles fizeram os seus filmes favoritos
e quais são os elementos que fazem estes filmes serem ótimos: os
personagens, o diálogo, o trabalho de câmera, os cenários, os figurinos,
a iluminação, tudo. Então, encontre uma história que significa algo
para você, que só você pode contar. Algo que os outros não só querem
assistir, mas vão pagar para assistir. Crie uma história que tenha
sentido em existir, algo com significado e escolha sabiamente, porque
este filme estará com você por muito, muito tempo.
Dead Hooker foi um processo de cinco anos,
Mary
foi um processo de três anos. Não conte em conseguir dinheiro para
financiar seus primeiros projetos, porque algumas coisas trabalham
contra você – nós ainda não fizemos nenhum dinheiro com
Dead Hooker.
Dedique-se por completo ao filme, em todos os aspectos, torne-o parte
de si, algo que você possa financiar e criar com o que você já tem. E
nunca desista, mesmo quando parece que nunca vai acontecer.
J: Não desista. Você vai ouvir “não” muitas vezes,
mas vai ser necessário ouvir “sim” só uma vez. Bem, você provavelmente
vai ouvir “sim” algumas vezes e isso pode significar um “não”, ha ha.
Escreva algo que não exija um orçamento muito grande. É tão difícil
conseguir financiamento hoje em dia e ainda mais difícil se você é um
cineasta iniciante. Eu recomendo fortemente que você faça seu próprio
longa. Faça um filme de baixo orçamento e mostre tudo o que é capaz de
conseguir com um orçamento limitado. Faça tudo que for possível para a
produção ter valor. Todo mundo tem bens. Faça uma lista deles e
coloque-os em seu script. Talvez seja um local, um negócio, uma casa,
uma fazenda, uma escola, uma igreja ou algo parecido com um carro legal
ou cavalo ou armadura medieval. Tudo o que você tem disponível, tire
proveito. E fique esperto. Antes de assinar contratos, olhe e saiba
tudo, peça a um advogado para averiguar também. Muitas pessoas tiram
proveito de cineastas de primeira viagem porque eles estão começando.
Proteja-se para que isso não aconteça com você.
Fonte: Folha de São Paulo
Por. Luciana dos Anjos