O conceito de qualidade de vida é muito abrangente, entende-se como como conjunto de emoções, sentimento ou estado de espírito ou apenas como sentir-se bem, com bem estar, seja espiritual, psicológico, nos níveis de dependência, com as relações afetivas e familiares ou com o meio ambiente. Porém, outros fatores também influenciam o bem estar, como a contemplação do mar, a arte, literatura, música. AliásM a arte é cada dia mais citada e até recomendada como prática terapêutica e estudos mostram que ela está intrinsecamente ligada a esse bem estar, o que melhora os níveis da qualidade de vida de quem frequenta cinemas, teatro ou museus. Este último sendo indicado como prática terapêutica inconteste.Por outro lado, esse bem-estar está ligado a vários aspectos: capacidade funcional, nível socioeconômico e cultural, ao indivíduo ativo intelectualmente, auto estima e auto cuidado, estilo de vida e até a religião. Em resumo, o conceito de qualidade de vida está ligado à auto-estima e ao bem estar pessoal.
FACES DO REDUTO, idealizada pela artista, ativista cultural e fotógrafa Mônica Mac Dowell que ocupa várias salas da pinacoteca e traz para o museu o cotidiano dos moradores da comunidade do reduto, localizada no município de São Miguel do Gostoso/RN. A artista nos apresenta de forma poética e sensível, através da lente do seu celular a vida simples das pessoas daquela comunidade, seus dramas, seus movimentos, hábitos e costumes.
A exposição se desdobra em três movimentos, digo movimentos porque me senti como que levado por uma suave brisa pelos caminhos pensados da exposição, uma trajetória cheia de sutilezas: cheiros, texturas, belezas e simplicidade. Mas que também nos leva a entender esse cotidiano de muita luta, cheio de resistência cultural e uma fé que se mantém na forja da resiliência daquele povo.
Além da questão visual, o faces do reduto nos brinda com a poesia, inspiração de deuses que habitam entre nós disfarçados de poetas e muitos cheiros. O baú de farinha de mandioca que você pode sentir o cheiro, que pode manipular a farinha, sentir sua textura, o amigo fininho pintando as mãos de branco é uma referência infantil que me puxou lá da infância na casa de farinha do meu avô onde nas noites de farinhada eu gostava de ir apenas para ouvir as mulheres raspadeira de mandioca cantando suas melodias. Era como o canto das sereias que me arrebataram e me deixava alim inerte até, sem perceber, cair de lado vencido pelo sono.
O bordado de labirinto, traçado sobre a trama do linho e engomado com o amido da mandioca é uma instalação que também merece todo olhar, idealizado pelo artista potiguar João Marcelino, esse painel divide a sala e mais parece um portal onde podemos observar exposição por outro olhar,
Na segunda sala, temos além, de fotografias de idealizadora da exposição, as colmeias artificiais onde são criadas abelhas e podemos sentir o cheiro do mel na folhas de “favos” onde não temos, nem o favo nem o mel mas, que onde encontramos textos e biografias das pessoas do reduto, nos proporciona uma grata surpresa além de nos fazer pensar quão criativa é a Mônica Mac Dowell em suas criações.
Por último entramos na última sala onde mergulhamos num ambiente que nos abraça e nos prende. Assisti uma projeção audiovisual que ocupava todas as paredes e o chão da sala. Nessas projeções, assisti o manejo de colheita do mel. o zumbido das abelhas, a raspagem do mel que escorria pelas paredes, as ondas do mar de tourinhos quebrando e invadindo o chão da sala e que por vezes tive a impressão que me molhava os pés. As moças descascando a mandioca, o canto triste do aboio e o som inconfundível do vaqueiro tirando o leite da vaca no balde. Confesso que essa sala me quebrou. Lembrei muito do meu pai. Aquele som do leite esguichando nas paredes do balde me apertou o coração de saudade, o aboio que ele cantava tão majestosamente ouvi ali reproduzido naquele homem, ser vivente do Reduto, criatura que feito entidade, fez questão de inundar meus olhos, de molhar minha alma com o quebrar das ondas da saudade.
Analisando a relação dessa aventura que vivi e pensando a arte como instrumento terapêutico cito uma frase da célebre Dra. Nise da Silveira: “O artista, o poeta, mergulha no inconsciente e volta. Já o doente, o louco, não tem o bilhete de volta. Essa é a diferença.” Porém, como artista tenho consciência de que, no momento da criação, enlouquecemos o suficiente para “deshabitar” desse mundo de conceitos, pré-conceitos, regras, tabus e sistemas opressores para livremente criar. Talvez seja essa a chave que vira e torna a arte curativa.
Saí da exposição em estado de graça. indicando para todos os amigos e convidando-os a visitarem a exposição, acho que na esperança de que eles também possam sentir o mesmo que eu, que seja, atingidos pelo raio do deslumbramento que me atingiu em cheio a exposição Faces do Reduto.
Linkando a oportunidade que tenho de acessar galerias, teatros, cinemas, de poder frequentar uma universidade, de poder ter acesso a bens culturais tão significativos, e ainda, sabendo o quão importante é tudo isso me acendeu o desejo de poder proporcionar isso a outras pessoas, de poder levar também um pouco de arte como terapia, como instrumento para melhorar a qualidade de vida, levantar a autoestima e curar algumas feridas, motivo de insistir e resistir na arte.
Encerro este texto pensando: certamente cada experiência tem o poder de nos transformar, não somos mais os mesmos que éramos a um minuto atrás e não seremos também os mesmos daqui há um minuto, porém existem experiências que nos impactam de uma forma que essa consciência se instala como uma pedrada na cabeça. As mudanças acontecem de maneira sutil no dia-a-dia, porém outras são instantâneas e tão intensas que sentimos a transformação acontecendo em tempo real.
Ah! A arte é algo maravilhoso e eu sou um privilegiado.
Rosinaldo Luna
servico:
Exposição de arte
Pinacoteca do estado
Cidade alta/ Natal RN
Acesso gratuito
Terça a domingo.
Horário comercial.
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