Texto extraido do blog: A mente é Maravilhosa
É possível analisar nossa interação com os demais como se estivéssemos atuando em uma peça de teatro, como se a vida social fosse uma sucessão de interpretação de papéis. Chamamos de dramaturgia social o enfoque microssociológico focado no estudo das relações entre o comportamento humano e as regras sociais que controlam nossas interações cotidianas.
“A vida é uma representação teatral”. Sócrates debatia, no diálogo da peça ‘O Banquete’, qual gênero teatral, a comédia ou a tragédia, mais se aproximava da vida real. Ele apostava na tragédia. A frase anterior, no entanto, não é sua. A frase é de Erving Goffman e a argumentação dos dois é bastante diferente. Goffman é criador da corrente do interacionismo simbólico. Essa teoria sustentava que a cada interação social que realizamos, tentamos projetar, de forma consciente ou mesmo inconsciente, uma imagem específica de nós mesmos, manipulando a maneira como os outros vão nos perceber.
Para Goffman, nossa personalidade não é um fenômeno interno, e sim a soma das diferentes máscaras que nós usamos ao longo da vida: uma dramaturgia social.
Explicando a dramaturgia social
Tanto o ator teatral quanto o social possuem como principal objetivo manter a coerência em suas interações com aqueles que o rodeiam e com o ambiente. Para transmitir uma impressão positiva devemos contar com habilidades dramáticas e sociais, além do vestuário e adereços necessários. Mas tudo isso carece de importância se os outros atores presentes no cenário não são capazes de coincidir na temática e na definição da situação, nas expectativas e nas limitações da interpretação que nos indicam de forma implícita como agir em um determinado contexto – um entorno social específico.
Alcançar o desenvolvimento nessa dramaturgia social – ou seja, saber se mover por entre os cenários e os momentos em que projetamos uma imagem para os demais e os bastidores (nossa vida privada, que muitas vezes também é uma máscara que usamos apenas para olhar no espelho), assim como mostrar desenvoltura na mudança de um papel para o outro, e contar com adereços e roupas adequadas para cada momento, constituem requisitos indispensáveis para a obtenção de sucesso na vida social. Durante a execução de uma peça, quem não sabe atuar é um perigo para o elenco e acaba sendo afastado do grupo.
Enquanto atuamos, nossos comentários e expressões de surpresa, de aprovação, de ironia ou desgosto moldam a opinião que os demais têm de nós. Somos conscientes disso, e exatamente por esse motivo, gerimos nosso discurso, ponderamos nossos gestos e monitoramos nossas reações. Todos atuamos a todo momento e definimos nossos papéis baseados no contexto em que estamos, buscando nos encaixar nele naquele momento.
Esse ajuste pessoal a um papel, essa definição pessoal perante os demais, é algo que acontece a todo momento, sendo um esforço presente em todas as interações sociais. Como os atores de um filme, é possível que comecemos a obra (um trabalho, um relacionamento ou um curso em uma universidade) com uma personagem indefinida, ainda pouco explorada, mas aberta a se modificar de acordo com o enfoque que está sendo apresentado e com a reação da audiência. A partir daí, dedicaremos nossa vida a se ajustar à personagem, ao menos até que o filme termine e tenhamos que tirar essa máscara para procurar outras (somos demitidos do trabalho, pedimos o divórcio, acaba o curso da universidade, etc).
Imagem, ocultação e moral
Para Goffman, no contexto dessa dramaturgia social as pessoas tentam apresentar uma imagem idealizada cada vez que interagem ou atuam. Isso se dá pela simples razão de que estamos convencidos de que é benéfico ocultar algumas partes dos outros ou de nós mesmos:
- Ocultamos o processo de preparação do nosso papel. Como o professor que, após preparar uma aula durante horas a ministra fingindo que sabe tudo de cor, preferimos oferecer aos outros apenas o resultado final de toda a nossa atuação. Nada de mostrar os erros de gravação, nem de mostrar quantas vezes precisamos repetir cada fala até que ela fosse enfim memorizada. Isso tudo fica apenas nos bastidores.
- Ocultamos o trabalho sujo realizado para conseguir o papel. Nossa personagem pode ser incompatível com tudo o que fizemos até então, e até mesmo com nosso esforço para chegar a algum lugar e com nosso merecimento de ter recebido aquele papel. Pensemos em um políticoque chega a um cargo público por meio da compra de votos… ele certamente vai omitir essa parte da sua interpretação.
- Ocultamos aquilo que nos impediria de seguir atuando. Muitas vezes ficamos calados ou evitamos reagir diante de humilhações que podem afetar a imagem que escolhemos passar.
Como o próprio Erving Goffman dizia, na nossa condição de atores, os indivíduos se preocupam em manter a impressão de que cumprem as regrasque podem ser aplicadas em qualquer julgamento, mas esse mesmo indivíduo não se preocupa enquanto ator no problema moral de cumprir essas regras. O que importa é apenas o problema amoral de fabricar uma impressão convincente de que está cumprindo seu papel. Nossa atividade se baseia em grande medida em parecer moral, mas na verdade não temos qualquer interesse moral na nossa atuação social. Somos mercenários da moralidade enquanto atores. E não somos mesmo?
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