Os atores Isis Valverde e Fabrício Boliveira em cena do filme 'Faroeste caboclo' (Foto: Divulgação)
Em tese, não seria problema. Mas é, porque exemplifica descuidos na construção do herói que viaja da Bahia a Brasília para melhorar de vida. Se Jeremias – que prossegue “traficante de renome”, “maconheiro sem-vergonha” e promotor da “rokconha” – tem direito de figurar em passagens de humor, drama ou mesmo caricatura, a João resta um comportamento previsível.
Por outro lado, já na primeira cena, o longa desobedece (beneficamente) os versos de Renato Russo, ao inverter a ordem dos fatos. A intenção talvez seja provocar alguma surpresa numa audiência que provavelmente já conhece o conteúdo. Ou talvez seja justificar o “Faroeste” que está no título. O que se vê na tela é uma tomada em close nos olhos de João (Fabrício Boliveira, da série “Suburbia”), artifício habitual em produções que retratam o velho oeste. Funciona como aviso do diretor e de sua equipe: isto é um filme com referências próprias, não um clipe.
Uma das liberdades mais evidentes tomadas é a introdução precoce de Maria Lúcia (Isis Valverde) e do citado Jeremias (Felip Abib). É medida providencial, uma vez que fica logo estabelecido o romance e o drama essenciais do filme. Na música, eles apareciam mais tarde. Os outros acertos são, aparentemente, acessórios – e fundamentais. É a criação de personagens e situações que não existiam na música. Caso do policial a cargo do ator Antonio Calloni, bem no papel. E de passagens “inéditas” e amenas nas quais João é menos tenso, ansioso. Nesses momentos, ele supera a obviedade.
Felipe Abib vive o personagem Jeremias
(Foto: Divulgação)
“Faroeste caboclo” começa confuso, com ações aparentemente
inexplicáveis de João. Nada com que se preocupar. Conforme a história
anda, elas vão sendo justificadas em flashbacks. O roteiro privilegia a
relação amorosa entre João e Maria Lúcia. Ele sofre por ser pobre, negro
e discriminado – recorre ao crime e à violência para ascender. Ela
sofre por algum motivo qualquer não revelado, é rica (filha de senador,
personagem de Marcos Paulo), branca e recorre à maconha com razoável
frequência.(Foto: Divulgação)
Embora o roteiro não esclareça de onde vem o sofrimento da jovem, Isis Valverde é suficientemente carismática para lidar bem com a limitação. As circunstâncias em que se dá seu envolvimento com o João são improváveis, mas o público acredita no sentimento entre os personagens. As cenas de sexo entre ambos – novamente com bastante close e o contraste de cor de pele sublinhado – se prestam a isso.
Avaliado o conjunto, resta de “Faroeste caboclo” o zelo com a música de Renato Russo: quem assistir ao filme com a letra em mãos não vai ter tantas reparos a fazer quanto aos principais fatos – o modo como se apresentam é que muda. E ainda o vilão Jeremias. Ele não chega a fazer o que o Coringa de Heath Ledger fez com o Batman de Christian Bale em “Cavaleiro das trevas” (2008). Mas melhora tudo sempre que aparece, a ponto de se torcer por seu regresso – outra prova do efeito positivo de se infringir a música. Na canção da Legião, Jeremias entra em cena apenas na segunda metade dos versos. O vilão só não merecia a afetação das cenas que precedem o duelo.
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